PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Mais de um ano antes do reconhecimento diplomático da China pelo Brasil, partiram do porto de Vitória, em julho de 1973, as primeiras 20 mil toneladas de minério de ferro exportadas ao país pela Vale, então estatal.
“Ficamos um tempo pensando se devíamos ou não, por causa de toda a questão política, estávamos com um medo danado”, contou Rony Lyrio, responsável pela operação, em depoimento ao Museu da Pessoa, da Fundação Vale, em 2002.
Foram embarcadas pouco mais de 100 mil toneladas até o ano seguinte, parando então por quatro anos, à espera do acordo comercial entre os dois países. Mas foi um marco, segundo Alexandre D’Ambrosio, vice-presidente executivo de Assuntos Corporativos e Institucionais da empresa.
“A Vale foi a primeira companhia do mundo a exportar minério de ferro para a China”, diz ele. A australiana Hamersley, parte da Rio Tinto, que concorre até hoje com a brasileira pelo mercado chinês, perdeu por dois meses. “Até hoje, a Vale forneceu mais de 3 bilhões de toneladas para as siderúrgicas chinesas”, diz D’Ambrosio.
Questionado sobre a crise imobiliária na China, ele diz que não houve impacto nas vendas do minério de ferro. “Quando falamos em setor imobiliário chinês, precisamos considerar não só o comercial, mas também o de habitações populares, que recebeu muitos investimentos do governo nos últimos anos.”
Segundo D’Ambrosio, a queda no volume de construção no país no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2023, se considerado apenas o setor comercial, foi de 12%. Para a habitação popular, o recuo foi menor, de 6,2%.
O executivo da mineradora afirma que a demanda por aço cresceu por causa da promoção, pelo regime, do desenvolvimento do setor manufatureiro de alta tecnologia, como na produção de carros, máquinas e navios.
Além das “novas forças produtivas”, como Pequim chama a aposta nessa indústria, a Vale busca se ajustar à prioridade ambiental. Em diversos casos, como na aquisição de locomotivas elétricas chinesas, as ações são combinadas. Há uma parceria com empresas chinesas em busca da descarbonização da indústria siderúrgica.
Questionado sobre o acordo com a chinesa Huayou para exploração de níquel na Indonésia, assinado no ano passado, D’Ambrosio cita a participação da Ford e diz que o projeto deve entrar em operação comercial em 2026. O plano é produzir níquel de forma mais sustentável, apoiando o crescimento da indústria global de veículos elétricos.
Em depoimento concedido em 2013 também à Vale, o ex-embaixador da China no Brasil Chen Duqing, que participou diretamente das negociações que levaram ao estabelecimento das relações entre os dois países, meio século atrás, descreve a empresa como “a âncora das relações do Brasil com a China”.
O embaixador Marcos Azambuja, que participou da aceleração das trocas comerciais sino-brasileiras durante os anos 1980, sublinha o protagonismo do engenheiro e empresário Eliezer Batista, que presidiu a Vale duas vezes, de 1961 a 1964 e de 1979 a 1986.
“A primeira pessoa que eu creio ter contribuído muito para essa visão nossa da China foi o Eliezer”, diz o diplomata, descrevendo como o empresário “encontrou na Ásia o seu espaço natural de exploração”.
Morto em 2018, aos 94 anos, Batista assumiu o comando da Vale ainda no governo Jânio Quadros, que buscava adotar o que foi batizado como Política Externa Independente, mantida com mudanças por seu vice, João Goulart, que chegou a visitar e fechar um acordo com a China.
Nos anos 1960, o executivo concebeu e viabilizou o porto de Tubarão, no Espírito Santo, e a logística para o transporte com ferrovia. Nos anos 1980, repetiu a experiência com Carajás (PA). Segundo Batista, a explosão das exportações de minério de ferro veio após a visita do primeiro-ministro Zhao Ziyang à unidade da Vale no Pará, em 1985, a quem ele ciceroneou.
NELSON DE SÁ / Folhapress