Morte de Márcio Souza é grande perda para cultura da Amazônia, diz Hatoum

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O escritor Márcio Souza, morto nesta segunda-feira (12) aos 78 anos, foi um dos expoentes da literatura e do teatro amazonense.

Seu conterrâneo Milton Hatoum, autor de “Cinzas do Norte” e “Relato de um Certo Oriente”, enviou um depoimento à Folha de S.Paulo explicando as razões pelas quais diz que sua morte, em Manaus, foi uma “grande perda” para a cultura dali. Leia a seguir.

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“Lamento muito a morte de Márcio Souza, meu amigo desde a década de 1970.

A obra do Márcio, além de diversificada, é de grande importância para a cultura da Amazônia. A formação de sociólogo na USP estimulou Márcio a escrever livros e ensaios historiográficos sobre a região Norte e uma obra pioneira sobre a literatura e teatro do Amazonas.

Essa obra se intitula ‘A Expressão Amazonense – Do Colonialismo ao Neocolonialismo’. Em 1979, eu publiquei uma resenha desse livro na revista IstoÉ.

O Márcio foi também autor de vários romances. Ele estreou com ‘Galvez, Imperador do Acre’ em 1976, era um folhetim cômico satírico sobre a Revolução Acreana. Esse romance foi um best-seller no Brasil e fez sucesso nos Estados Unidos.

Outro romance que eu admiro é ‘Mad Maria’, de 1980, que tematiza uma das passagens mais escabrosas da história do Amazonas, a construção da Madeira-Mamoré, a Ferrovia do Diabo.

O Márcio adorava os romances do escritor americano Kurt Vonnegut. Ele até me deu uma edição em inglês de ‘Matadouro-Cinco’ e eu acho que essa violência narrada pelo Vonnegut aparece bastante nesse romance.

Quer dizer, a Madeira-Mamoré, que seria uma obra do progresso e da modernidade na floresta, tornou-se um trem fantasma e vitimou milhares de pessoas pobres, trabalhadoras e trabalhadoras do Brasil, indígenas e também estrangeiros.

O Márcio narra essa realidade alucinada, grotesca e terrivelmente cruel e faz de um indígena mutilado um dos protagonistas desse empreendimento maluco na periferia do capitalismo bárbaro.

A industrialização de Manaus também foi satirizada por Márcio na peça ‘Zona Franca, Meu Amor’. Importante dizer que ele dirigiu por muito tempo o Teatro do Sesc, lá de Manaus, e escreveu outras peças em que ele abordou questões indígenas, mas sem qualquer traço de exotismo.

A morte do Márcio ocorre num dos piores momentos da política do Amazonas, cujo governo foi o mais mal avaliado do Brasil, segundo a recente pesquisa Atlas. Eu torço para que os livros do Márcio sejam lidos e suas peças de teatro ganhem novas adaptações.”

WALTER PORTO E ISADORA LAVIOLA / Folhapress

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