BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta terça-feira (13) que não houve uma “disfuncionalidade grande” que justificasse a intervenção do Banco Central no momento de forte alta do dólar nos últimos meses.
Campos Neto ainda rebateu as críticas, que vieram particularmente do governo, afirmando que a decisão do Banco Central sobre a não-intervenção foi tomada de maneira colegiada e acrescentou que o diretor responsável pelo setor na instituição foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A responsabilidade pelos instrumentos de política cambial está a cargo, na instituição, do diretor Gabriel Galípolo, favorito para assumir a presidência do Banco Central, após a saída de Campos Neto.
Em outro momento, o presidente do BC voltou a citar os demais diretores indicados pelo presidente Lula para a entidade, em particular para justificar a taxa de juros, decidida por unanimidade recentemente. E também disse que não é verdade que taxa de juros alta é bom para os bancos.
“Toda vez que o mercado está nervoso, nós discutimos ‘é hora de fazer intervenção, não é hora de fazer intervenção’. O Banco Central tem muita reserva e vai fazer intervenção, se preciso. Inclusive, o diretor de câmbio, o diretor do Banco que cuida do câmbio hoje, que nós discutimos, é um diretor que foi nomeado pelo governo e nós discutimos muito, com outros diretores também. Não é um voto, uma decisão somente do presidente”, afirmou o presidente do BC.
“É uma decisão de colegiado, que tem quatro diretores que foram indicados pelo governo atual, que são muito bons e técnicos e nós discutimos no dia a dia. Então, assim, não houve decisão de intervir no câmbio. Foi uma decisão que tomamos olhando todas as outras variáveis, entendendo que naquele momento não havia uma disfuncionalidade grande em relação a outros mercados. O que tinha era uma percepção de piora de risco no Brasil”, acrescentou.
Campos Neto participa de uma sessão conjunta das comissões de Desenvolvimento Econômico e de Finanças e Tributação, da Câmara dos Deputados nesta terça, para a qual foi convidado para falar sobre a política monetária.
O presidente do Banco Central está no último semestre do seu mandato, que se encerra no fim de dezembro.
Campos Neto também disse que há um receio de que as eleições americanas e as propostas dos dois candidatos tenham impacto na inflação nos Estados Unidos, impedindo que aquele país trabalhe com taxas de juros mais baixas.
“Primeiro, quando a gente olha a eleição americana, as campanhas da eleição americana e o que tem sido dito pelos candidatos, a gente tem basicamente um conjunto de políticas que leva a crer que a inflação americana vai ser mais alta”, afirmou o presidente do Banco Central.
Campos Neto destacou falas que sinalizam uma política fiscal americana mais frouxa, impostos para a importação de produtos e políticas migratórias mais rígidas.
“Promessas de campanha nem sempre são realizadas, mas o que isso pode significar é uma dificuldade maior dos Estados Unidos a trabalhar com uma inflação bem mais baixa e, consequentemente, ter um juros muito parecido com o que tinha antes da pandemia, que é o que hoje o mundo gostaria de ver”, completou.
Desde a posse do presidente Lula, o dirigente vem sendo alvo de ataques do governo, em particular por causa da taxa básica de juros, a Selic. O mandatário indagou recentemente se Campos Neto não tinha respeito, por ter afirmado que a política de valorização salarial teria impacto na inflação.
O petista também chegou a chamar Campos Neto de “cidadão” e questionou se havia interesses por trás de sua atuação como presidente do Banco Central.
No fim de julho, o Copom (Comitê de Política Monetária) manteve a taxa básica de juros em 10,5% ao ano. Foi a segunda reunião consecutiva sem alteração no patamar da Selic.
Durante a sua fala na Câmara dos Deputados, Campos Neto afirmou que o Banco Central tenta “manter a taxa de juros o mais baixa possível fazendo a inflação convergir para a meta”. Na sequência, ele ressaltou que a meta de inflação é definida pelo governo e que não é verdade que taxa de juros alta é boa para os bancos.
“A [taxa] Selic [alta] não é boa para o sistema bancário. No passado talvez isso fosse verdade em algum momento, mas hoje em dia, como a carteira de crédito vale muito mais do que a carteira própria dos bancos, quando os juros sobem muito, a inadimplência sobe, então você perde muito mais no crédito do que ganha na carteira própria”
O presidente do BC também disse que o combate à inflação tem avançado, mas “é preciso perseverança nesse trabalho”, justificando que a desinflação tem arrefecido e as expectativas encontram-se desancoradas.
Campos Neto então acrescentou que está sendo possível manter a inflação na meta, com um “custo baixo”. “O Brasil, realmente, quando a gente olha em termos de crescimento esperado e realizado, emprego esperado e realizado, inflação esperada e realizada, dá para dizer que o Brasil conseguiu convergir com um custo baixo de emprego e relativamente baixo de crescimento”, afirmou.
Nesse momento, o presidente também justificou as decisões recentes referentes à taxa de juros, alvo de críticas do governo. E novamente citou os diretores que foram nomeados por Lula, que votaram pela manutenção da taxa.
“Em relação à possibilidade de subir os juros, ontem teve duas falas de diretores apontados por esse governo [do presidente Lula] que vão fazer o que tiver que fazer para a inflação atingir a meta e, se tiver de subir os juros, é isso que vai ser feito”, afirmou, em referência a uma fala de Galípolo.
Campos Neto também defendeu a proposta de autonomia do Banco Central, em tramitação no Congresso. Sem citar nomes, disse que as pessoas vão entender que o Banco Central atua de maneira técnica.
“A autonomia está passando pelo seu primeiro teste, eu tenho certeza que o processo vai amadurecer. E as pessoas vão entender ao longo do tempo que o Banco Central é técnico, trabalha com horizonte diferente e que trabalha de forma a atingir o mandato que é determinado pelo governo”, afirma.
A sessão na Câmara dos Deputados teve momentos de bate-boca entre os parlamentares governistas e a oposição, que apoia Campos Neto. De forma irônica, o presidente do BC disse que o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) iria sentir falta dele, quando ele deixasse o cargo.
Os deputados governistas também exploraram o jantar que Campos Neto teve com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em junho, no Palácio dos Bandeirantes. O dirigente disse que se tratava de uma postura institucional e que ele havia jantado com o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, e “ninguém falou nada”.
RENATO MACHADO / Folhapress