SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, 67, afirmou nesta quarta-feira (14), ainda noite de terça no Brasil, que vai renunciar ao cargo e ao posto de presidente de seu partido em setembro. A decisão foi anunciada após escândalos de corrupção virem à tona e escancara a instabilidade política no país.
No poder desde 2021, Kishida foi responsável por aumentar os gastos militares de Tóquio e por lançar uma plataforma de valorização dos salários no mercado de trabalho japonês, mas governou durante um período de alta na inflação e de crises políticas, o que resultou em perda de apoio e popularidade.
“É importante que o [partido governista] PLD tenha uma nova liderança. O primeiro passo para que isso aconteça é a minha renúncia”, disse Kishida em entrevista coletiva. “Apoiarei completamente o próximo líder e espero que o ímpeto por mudança no partido não diminua com meu sucessor”, disse o premiê, acrescentando que tomou a decisão pensando no interesse público.
O anúncio de Kishida vai abrir um período de disputa interna no Partido Liberal Democrático (PLD) para escolher um novo líder que, no sistema de parlamentarismo do Japão, será automaticamente o próximo primeiro-ministro. As próximas eleições gerais no país estão marcadas para outubro de 2025, mas, diante da crise política, há a possibilidade de que o pleito seja adiantado.
Kishida sucumbe à pressão feita por opositores e até aliados para que deixasse o cargo. No mês passado, o apoio ao premiê caiu para 15,5%, segundo pesquisa feita pela agência Jiji Press. Trata-se do menor índice de aprovação desde que o PLD voltou ao poder, em dezembro de 2012.
A legenda conservadora governa o Japão de forma quase ininterrupta desde a metade do século 20, mas as lideranças da sigla vêm sofrendo desgastes devido ao desempenho da economia e escândalos de corrupção. O mais recente eclodiu após a revelação de que o partido tinha um fundo secreto para doações não declaradas. Em janeiro, dez pessoas, incluindo legisladores e seus assessores, foram indiciadas.
Um mês antes, em dezembro, três ministros de Kishida renunciaram após acusações de subornos. Analistas políticos chegaram a comparar o caso ao escândalo conhecido como Recruit, ocorrido no final da década de 1980, quando denúncias relacionadas a abuso de informação privilegiada levaram o então premiê, Noboru Takeshita, e vários outros altos funcionários do governo a renunciarem.
Em paralelo, Kishida foi criticado pelo aumento da inflação, o que seria consequência, segundo analistas, de pacotes para estimular a economia lançados durante a pandemia. Com efeito, o Banco do Japão aumentou a taxa de juros, o que teria contribuído para uma instabilidade do mercado de ações e para a desvalorização do iene.
No último dia 5, o índice Nikkei 225, da Bolsa de Tóquio, despencou 12,4%. A queda histórica a maior desde 1987 ocorreu diante do temor de recessão nos Estados Unidos, mas também sinalizou fragilidades na economia japonesa.
A renúncia de Kishida, quase três anos após assumir o cargo, também evidencia a instabilidade política no país. Desde 2000, só dois premiês do Japão tiveram mandato mais duradouro: Junichiro Koizumi, de 2001 a 2006, e Shinzo Abe em seu segundo mandato, de 2012 a 2020 antes, porém, ele próprio teve uma primeira gestão turbulenta, marcada por escândalos e disputas, que terminou com sua renúncia abrupta após um ano, em 2007.
Kishida foi ministro de Relações Exteriores de Abe e assumiu o governo do Japão em outubro de 2021. Além dos estímulos econômicos que tiveram o objetivo de aumentar a renda familiar, a gestão do atual premiê também tem como marca o fortalecimento das Forças Armadas.
Instado por Washington, Kishida se comprometeu a duplicar os gastos com defesa. Também se aproximou da Coreia do Sul, inimiga histórica de Tóquio, numa frente unida diante das ameaças cada vez mais frequentes da Coreia do Norte e sob o argumento de conter as ambições territoriais da China.
Criticado internamente, Kishida escapou de um ataque com uma bomba de fabricação caseira durante um comício no ano passado. O caso alarmou a população ao ecoar o assassinato do ex-premiê Shinzo Abe, morto a tiros justamente durante um ato de campanha em 2022.
Em maio passado, o premiê japonês veio ao Brasil e se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em uma operação para fortalecer os laços econômicos entre seu país e a América do Sul. A iniciativa foi um contraponto aos esforços de China e Rússia para liderar países em desenvolvimento.
Com a renúncia, o sucessor de Kishida terá a tarefa de restaurar a confiança da população no partido e enfrentar o aumento do custo de vida, a escalada das tensões geopolíticas e a possível volta de Donald Trump à Casa Branca no ano que vem.
O ex-ministro da Defesa Shigeru Ishiba já se candidatou como substituto, dizendo que gostaria de “cumprir seu dever”, segundo a emissora pública NHK. Outros nomes cogitados para a disputa incluem Yoko Kamikawa (ministra das Relações Exteriores), Taro Kono (ministro para Assuntos Digital) e Shinjiro Koizumi (ex-ministro do Meio Ambiente).
Rintaro Nishimura, da empresa de consultoria Asia Group, baseada em Washington, afirma que o novo líder enfrentará desafios em um ambiente político complicado. “Uma eleição geral deve ocorrer logo após a posse do novo primeiro-ministro, sendo aconselhável convocá-la antes que surjam mais aspectos negativos.”
Já o analista político Atsuo Ito, mencionado pela agência de notícias Reuters, diz que o LDP terá de escolher um representante que não esteja associado às atuais lideranças do partido para ter mais chances de vencer as eleições gerais previstas para 2025.”Se o PLD escolher o seu próximo líder de uma forma que ignore as críticas públicas contra os escândalos de financiamento político, o partido poderá sofrer uma derrota esmagadora”, disse ele.
Redação / Folhapress