SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quase dois anos após ser alvo de uma tentativa de assassinato em Buenos Aires, a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner compareceu a um tribunal na manhã desta quarta-feira (14) para dar um depoimento sobre o caso.
Durante mais de uma hora, a peronista criticou o tratamento que recebeu da imprensa durante seus dois mandatos à frente do país, associou uma das acusações de corrupção que sofreu nos últimos anos ao atentado e cobrou a investigação de eventuais mandantes do crime.
“Luciani contribuiu com a violência política. Ele teve horário nobre por 22 dias quando fez uma acusação de corrupção não contra mim, mas contra o peronismo”, afirmou, citando o promotor Diego Luciani. Ele foi o responsável pela denúncia que levou Cristina a ser condenada à prisão por desvio de verbas na província de Santa Cruz.
“Isso motivou manifestações na porta da minha casa que finalmente resultaram no tiro fracassado, com a bala que não saiu”, concluiu a ex-presidente.
Em setembro de 2022, Fernando Sabag Montiel, na época com 35 anos, apontou uma arma contra a vice-presidente no momento em que ela chegava a sua casa, no bairro da Recoleta, na capital argentina. A peronista deixava seu carro para cumprimentar uma multidão que a esperava quando o agressor tentou disparar o revólver a 15 centímetros do rosto dela. A arma falhou.
Montiel, um brasileiro criado no país vizinho, sua namorada, Brenda Uliarte, e o chefe de ambos em um empreendimento de algodão-doce, Nicolás Gabriel Carrizo, são acusados de tentativa de homicídio qualificada, o que pode levar a uma pena de até 20 anos de prisão.
A estratégia da defesa de Cristina é reforçar a hipótese de que há mais envolvidos no atentado. As costumeiras críticas da ex-presidente ao “partido judicial” forma como chama a Justiça da Argentina deram-se pela condução do caso, segundo ela focada erroneamente apenas nos três acusados.
“Um dos autores materiais pediu para ser defendido por Luciani. Há os autores materiais, mas não os financiadores”, afirmou a ex-presidente. “Depois da pandemia, a violência política cresceu. Atacaram meu gabinete no Senado com pedras, e nem a Polícia da Cidade de Buenos Aires nem a Polícia Federal intervieram.”
Sua reclamação se apoia principalmente no fato de que o celular de Montiel teve os dados apagados enquanto estava sob análise da polícia, logo após o atentado. Segundo o jornal argentino Clarín, porém, a defesa de Cristina conseguiu adiar, horas antes do depoimento, a terceira perícia no aparelho, que tentaria extrair as informações com um novo software.
A imprensa, com a qual Cristina teve uma relação conturbada enquanto estava na Presidência, também foi alvo de seu discurso. Logo no início do depoimento, a peronista mostrou capas de revistas e desenhos que a agrediam simbolicamente por ser mulher, segundo ela.
“Vejam que contexto atual”, afirmou ao mostrar uma caricatura que a representava com um olho roxo. “Tudo sempre se repete.”
A declaração é uma referência à denúncia de Fabiola Yáñez contra o ex-presidente argentino Alberto Fernández, com quem já foi casada, por agressão. Na semana passada, o caso de suposta violência de gênero ganhou nova escala após fotos da ex-primeira-dama machucada nos olhos e nos braços chegarem à imprensa, levando diversos aliados a criticar o peronista. Fernández, que chegou à Casa Rosada com Cristina como vice, nega ter agredido a ex-companheira.
“Dizem que quero me fazer de vítima, não é uma questão de se fazer de vítima”, diz ela. “Não sou feminista, mas foi uma violência simbólica. Quando me colocam com um olho roxo, alguns gostariam de me bater. Muita, muita violência. Sempre.”
Após prestar o depoimento, Cristina deixou o tribunal cercada de simpatizantes e foi à sede do Instituto Patria, no centro de Buenos Aires, onde apoiadores também a esperavam.
Redação / Folhapress