BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta sexta-feira (16) que o atual regime de Nicolás Maduro na Venezuela não configura uma ditadura, mas um “regime muito desagradável” que tem um “viés autoritário”.
As declarações foram feitas em uma entrevista à Rádio Gaúcha durante visita ao Rio Grande do Sul. Questionado pelo veículo sobre a natureza política do país vizinho, declarou: “Não acho que é uma ditadura. É diferente de ditadura. É um governo com viés autoritário, mas não é uma ditadura como conhecemos nesse mundo.”
Um dia depois de sugerir novas eleições para resolver a crise ou mesmo o estabelecimento de um governo de coalizão, Lula deu a entender que recuou ao dizer que prefere esperar a decisão do TSJ (Tribunal Supremo de Justiça) da Venezuela acerca do contestado resultado das eleições.
“Vamos esperar, porque agora tem uma Suprema Corte que está com os papéis para decidir. Vamos esperar qual será a decisão disso”, disse.
No último dia 29, o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) declarou Maduro reeleito para mais seis anos no poder. A oposição prontamente contestou e afirmou que houve fraude. Agora, o colegiado atende a uma solicitação do ditador para legitimar o resultado da disputa.
Paralelamente, a presidente do TSJ, Caryslia Rodríguez, disse no último dia 10 que sua decisão acerca do pleito, ainda não tomada, será inapelável.
Na quinta-feira (15), Lula concedeu entrevista à Rádio T, no Paraná, afirmou pela primeira vez que não reconhecia a vitória de Maduro e sugeriu novas eleições ou um governo de coalizão como saídas para a crise no país vizinho. Disse ainda que Caracas tem de apresentar as atas e elas têm de ser confiáveis.
“O que queremos é que o conselho nacional que cuida das eleições diga publicamente quem é que ganhou as eleições. Tem que apresentar os dados, algo que seja confiável. O CNE, que tem gente da oposição, poderia ser. Mas ele não mandou para o Conselho, mandou para a Suprema Corte dele. Eu não posso julgar a Suprema Corte”, afirmou.
O presidente ainda afirmou que discorda da nota publicada pelo PT logo após a realização do pleito. “Eu não penso igual à nota. Mas eu não sou da direção do PT. O problema da Venezuela será resolvido pela Venezuela”, afirmou. No texto, o partido de Lula chamava a eleição de “democrática e soberana”.
Antes dessa manifestação de divergência, porém, o presidente havia dito que a sigla “fez o que tem de fazer”, sem julgar a posição petista. “O PT não tem de pedir para o governo para fazer as coisas”, declarou Lula em 30 de julho, em entrevista a uma afiliada da TV Globo em Mato Grosso. Foi nesta mesma ocasião que ele disse não ter visto “nada de anormal” no processo eleitoral venezuelano.
A Venezuela vive uma grave crise desde as eleições. Horas após o fechamento das urnas, em 29 de julho, o órgão nacional eleitoral declarou a vitória de Maduro no pleito, encaminhando-o assim para um terceiro mandato presidencial.
Segundo a coalizão adversária, porém, seu candidato, o ex-diplomata Edmundo González, venceu com 67% dos votos, contra 30% de Maduro. Esse resultado seria comprovado pelas atas eleitorais que o grupo tem em mãos cerca de 80% do total e que disponibilizou online.
Na noite desta quinta, González publicou um vídeo em suas redes sociais para pedir a transição de poder.
“Faço um apelo a Nicolás Maduro: respeite a vontade do povo venezuelano, você está brincando com a vida de milhões de compatriotas. A cada dia que passa sem uma solução política, a economia do país se deteriora mais e mais”, disse ele. “A Venezuela merece um futuro de estabilidade, prosperidade e paz, mas para alcançá-lo é essencial respeitar a vontade do povo e permitir a transição.”
Na sexta, González também agradeceu os países que assinaram um documento após reunião na República Dominicana pedindo que o regime de Maduro respeite os direitos humanos de manifestantes e exigindo, mais uma vez, a publicação das atas eleitorais pelo CNE.
Entre os signatários estão a Argentina, o Chile, o Peru, o Uruguai, os EUA e diversos países europeus. A reunião ocorreu às margens da posse de Luis Abinader, reeleito presidente da República Dominicana em maio. O chanceler Mauro Vieira também estava no país para a posse de Abinader, mas não assinou o documento, assim como a Colômbia.
Lula enviou seu assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim, para acompanhar o pleito de Caracas. Nesta sexta, ele disse à Rádio Gaúcha que Caracas quis inicialmente barrá-lo. “Quando o Celso Amorim ia viajar para a Venezuela, eu fui informado que eles tinham pedido para o Celso Amorim não ir para a Venezuela. Mandei comunicar eles que, se ele não pudesse ir, eu ia comunicar a imprensa que a Venezuela estava impedindo. Aí deixaram ir.”
O Brasil e outros países têm pressionado Maduro para que divulgue as atas eleitorais, que, assim como os boletins de urna brasileiros, comprovariam a lisura do pleito. Mas o regime não atendeu ao pedido até o momento.
A ideia foi rejeitada tanto pelo ditador como pela oposição venezuelana. María Corina Machado, líder do movimento antichavista impedida de disputar eleições pelo regime, disse que propor um novo pleito era “uma falta de respeito com os venezuelanos”.
Na quinta, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, havia sinalizado inicialmente que apoiava a sugestão de refazer as eleições venezuelanas. Questionado por um jornalista se concordava com a ideia, respondeu “I do” (sim).
Horas depois, um porta-voz da Casa Branca amenizou a declaração, dizendo que Biden se referia “ao absurdo de que Maduro e seus aliados não tenham sido honestos sobre as eleições”. Houve rumores de que o presidente não teria ouvido ou compreendido a pergunta, pois fazia muito barulho no momento, mas não houve nenhum esclarecimento das autoridades americanas nesse sentido.
Ainda à Rádio Gaúcha, Lula afirmou que não vê risco de uma guerra civil na Venezuela justamente porque seus vizinhos, como o próprio Brasil ou a Colômbia, que vem agindo de forma coordenada com Brasília, atuam por uma solução para a crise.
“Não acredito numa guerra civil na Venezuela. Não acredito porque acho que há muitos países com disposição de ajudar para que a gente viva em paz na América do Sul”, disse o petista. “A guerra não leva a nada. Só leva à destruição. A paz leva ao crescimento econômico, distribuição de riqueza. É isso que eu espero para a Venezuela. É isso que eu torço para a Venezuela.”
RENATO MACHADO / Folhapress