Como medalha nos EUA, há 40 anos, transformou o vôlei brasileiro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O vôlei de quadra brasileiro conquistou 12 medalhas nas últimas 11 edições dos Jogos Olímpicos –sendo a mais recente o bronze da seleção feminina em Paris-2024. O início dessa trajetória vitoriosa aconteceu 40 anos atrás, em Los Angeles-1984, nos Estados Unidos. A conquista da medalha de prata, naquele ano, inspirou as gerações seguintes e transformou a estrutura da modalidade no país.

Em 11 de agosto de 1984, a seleção titular formada por William, Renan, Bernard, Montanaro, Amauri e Xandó, sob comando do técnico Bebeto de Freitas, chegou invicta àquela final contra os EUA. A boa campanha não se confirmou em quadra, e o Brasil perdeu o jogo por 3 sets a 0. Porém, a prata alcançada deu início a uma série de conquistas nas Olimpíadas posteriores.

Até Moscou-1980, o Brasil nunca havia ultrapassado a quinta colocação nas Olimpíadas -seja no masculino ou no feminino. Na época, a modalidade vivenciava um crescimento impulsionado por bons resultados. Um marco nesse processo foi o projeto “Grande Desafio de Vôlei”, em 1983. A última partida da série de quatro amistosos contra União Soviética levou mais de 95 mil pessoas ao estádio do Maracanã, em uma noite de fortes chuvas no Rio de Janeiro.

Um ano após esse evento, o Brasil chegava à final do vôlei masculino nas Olimpíadas de Los Angeles. Renan Dal Zotto, jogador daquela geração e treinador da seleção masculina em Tóquio-2020, afirma que a conquista é um sentimento de orgulho e missão cumprida. “Foi o início de tudo. Essa caminhada olímpica de 1981 até 1984 deixou um legado muito grande na história do voleibol”.

Segundo Bernard Rajzman, jogador de destaque daquela seleção de 1984, a evolução técnica do vôlei brasileiro iniciou em ciclos anteriores. “As outras gerações tiveram um papel muito importante, mas não tiveram a oportunidade. Nós tivemos dedicação em tempo integral para alcançarmos todos os objetivos.”

Um dos jogadores mais novos daquele grupo, Marcus Vinícius Freire, hoje com 61 anos, afirma que a modalidade passou por uma transformação após a medalha. “Foi o marco divisor do esporte amador para o profissional. Nós éramos todos amadores, ou a grande maioria, e fizemos a transição. Foi a primeira cobaia, tanto do processo de profissionalização, como de todos os processos de treinamento e competição.”

O OURO E A FAMA

O melhor resultado do esporte até então veio oito anos depois, em Barcelona-1992. O vôlei conquistou a primeira medalha de ouro olímpica do Brasil em esportes coletivos. Sem expectativa antes da competição, o grupo formado por José Roberto Guimarães mesclou a experiência de alguns jogadores, como Amauri, e a juventude de Giovane, Marcelo Negrão e Maurício.

Giovane Gávio, destaque do time vitorioso de 1992, diz que a “geração de prata” inspirou os jovens atletas daquela seleção. “A minha geração toda começou a jogar vendo esses caras dando show. E recebemos um ambiente mais preparado para alcançar resultados melhores.”

A conquista inédita atraiu um novo público e alcançou um sucesso inesperado. “Nossas vidas se transformaram, nos tornamos heróis, os golden boys, todo mundo queria chegar perto e foi até em excesso”, lembra Giovane sobre a fama repentina e inusitada. “Tivemos que aprender a lidar com uma série de situações novas, que, em alguns momentos, mexeram com a gente. Foi um momento de aprendizado”.

Segundo o medalhista olímpico, o legado do vôlei brasileiro é uma fonte de inspiração. “Uma geração inspira a outra. 1984 inspirou 1992, 92 inspirou 2004, que inspirou outras. Isso é um grande legado, por isso que continuamos sempre no pódio, lutando por medalhas.”

VÔLEI FEMININO

A técnica e ex-levantadora Fofão, que esteve presente na seleção de 1991 a 2008 e campeã olímpica em Pequim-2008, afirma que a conquista da prata masculina em 1984 abriu caminhos para o progresso. “Foi o começo de uma caminhada onde o vôlei buscava seu espaço. Abriu caminhos para a continuidade do voleibol.”

O cenário do vôlei feminino era diferente do masculino há 40 anos. Em Los Angeles-1984, a seleção liderada por Isabel, Jacqueline e Vera Mossa foi eliminada na fase inicial da competição. Porém, a derrota por 3 sets a 2 em um jogo acirrado contra os EUA sinalizou o potencial do time.

As mudanças no ambiente da modalidade feminina aconteceram no início dos anos 1990. A entrada de Bernardinho, então jovem treinador e medalhista em 1984, e o time formado por jogadoras talentosas, como Ana Moser, Fofão, Fernanda Venturini e outras, mudaram a perspectiva da seleção.

Segundo Fofão, os benefícios da medalha de prata da equipe masculina de 1984 demoraram para refletir no feminino. “[O vôlei feminino] foi se beneficiando aos poucos. Não vou dizer que tenha sido tão rápido quanto eu acho que o voleibol feminino merecia”.

Mesmo com destaque, as comparações com o time masculino e as cobranças por títulos eram frequentes. A técnica diz que, a partir da medalha de ouro em 1992, a pressão por resultados aumentou no período.

Apesar disso, o voleibol feminino brasileiro traçou seu próprio caminho. A primeira medalha da modalidade foi o bronze conquistado em Atlanta-1996. Doze anos depois, o Brasil conquistava duas medalhas de ouro seguidas –feito que a seleção masculina ainda não alcançou– em Pequim-2008 e Londres-2012. Ambas as conquistas sob o comando do técnico José Roberto Guimarães, também responsável por levar o time ao bronze em Paris-2024.

Em Paris-2024, as equipes de vôlei de quadra do Brasil apresentaram desempenhos distintos. A seleção feminina garantiu a medalha de bronze ao vencer a Turquia, enquanto o time masculino teve a sua pior performance nas Olimpíadas desde Munique-1972.

O ciclo para Los Angeles-2028 promete desafios diferentes. A equipe masculina enfrentará um processo de reformulação, com a saída de jogadores experientes e a entrada de novos nomes. Por outro lado, o time feminino, apesar de não ter conquistado o ouro, teve uma campanha sólida em Paris. Com jogadoras jovens no time atual, as perspectivas de conquistas e boas atuações são boas para o próximo ciclo olímpico.

LUCAS LEITE / Folhapress

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