Paris-24 pode ser marco de ‘novo olhar’ para medalhistas de prata e bronze

SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – “Eu sei, ele está triste”. As palavras ditas por Heloisa de Mello Lartigau à Folha de S. Paulo, em 31 de julho de 1984, soavam como o perfeito resumo de uma tragédia.

Mãe do nadador Ricardo Prado, que havia acabado de conquistar a medalha de prata nos Jogos de Los Angeles-1984, ela lamentava com amargor os efeitos da segunda colocação do filho na prova dos 400 m medley.

“Só quem conhece o Ricardo sabe que ele está triste”, comentou em seu apartamento no bairro da Consolação, em São Paulo, segundos após a cerimônia de premiação.

O calvário vivido pelo então favorito ao ouro mesmo com a prata pendurada no pescoço há quase 40 anos em nada parece com o das festejadas medalhas do país em Paris-2024.

Das vinte vezes que subiu ao pódio na França, só em três oportunidades foi no posto mais alto -mesmo assim nomes como o surfista Gabriel Medina, a skatista Rayssa Leal, o corredor Alison dos Santos, além da seleção feminina de vôlei foram celebrados como campeões.

“Os Jogos de Paris confirmam uma virada estética nas Olimpíadas. Um movimento que havia começado há três anos (em Tóquio-2020) partindo de um entendimento de humanização dos atletas. Questões como o fato de deprimir e ter limites. É um resíduo do nosso pós-pandemia”, explica Kátia Rúbio, professora da Faculdade de Educação da USP.

A derrota sofrida por Ricardo Prado é citada como simbólica para Rubio, mas não é o único caso de desvalorização de um feito mesmo com pódio.

Em Sydney-2000, após as pratas das duplas Zé Marco e Emanuel e Adriana Behar e Shelda nas decisões do vôlei de praia, a capa do caderno de Esporte da Folha de S. Paulo estampava: “Ouro em pó, vôlei desaponta com duas pratas na areia”.

“A narrativa midiática da época foi de fracasso, de desconstruir o feito deles. E isso o Zé Marco me falou em entrevista que o magoou”, conta Rubio.

O entendimento de que a participação em uma Olimpíada tem valor único pede passagem, segundo a especialista. O feito inédito com o bronze na ginástica por equipes, por exemplo, foi amplamente reverenciado.

“Salto de qualidade”, destacou a Folha de S. Paulo na edição do último dia 31 de agosto. A mais recente prata da seleção feminina de futebol liderada por Marta, outrora criticada pelas segundas colocações em Atenas-2004 e Pequim-2008: “Prata aqui, ouro na vida”.

“A minha medalha foi um feito muito grande, mas antigamente qualquer falha era seguida de críticas. Um quarto ou quinto lugar era fracasso. Hoje, há um reconhecimento porque a comunicação de resultados também mudou. As pessoas aplaudem mais o esforço, não só o resultado. A entrada da CazéTV trouxe uma linguagem de torcer pelo atleta”, analisa a ex-nadadora Poliana Okimoto, bronze na Rio-2016.

Desde a transmissão do Pan de Santiago-2023, o canal responsável pela Olimpíada no YouTube usa a base de 16 milhões de inscritos para organizar mutirões de seguidores para os brasileiros nas redes sociais.

A judoca Beatriz Souza, ouro na França, foi a que mais cresceu. Saltou de 24,8 mil em 13 de julho para 3,4 milhões no Instagram. A ginasta Júlia Soares, bronze na competição por equipes, pulou de 55,9 mil para 2,8 milhões no mesmo período.

“Antigamente para você ser valorizado e reconhecido havia uma necessidade de ganhar o ouro. Acho que hoje há um olhar mais abrangente com as várias mídias. Há reconhecimento de qualquer pódio. Olimpíada significa ir para fazer o melhor, e nem sempre dá para vencer”, pondera a ex-atleta de vôlei Fabi Alvin, medalhista de ouro em Pequim-2008 e Londres-2012.

“Há múltiplos canais e muitos deles nem os direitos de transmissão da atividade em si tem. Então, o que eles se dedicam a fazer? A contar histórias ao redor do evento e do atleta em si. Esses bastidores acabam por explicar que ninguém nasce atleta olímpico, que tem um preparo enorme para chegar lá, e naturalmente as pessoas passam a reconhecer mais”, analisa Ivan Martinho, professor de marketing esportivo pela ESPM.

Para o fundista Joaquim Cruz, medalhista de ouro em Los Angeles-1984 e prata em Seul-1988 na prova dos 800 m, pesa também um equilíbrio jamais visto antes em décadas.

“Percebi nesta edição um mundo mais competitivo. No atletismo, o 5º e o 6º correm para vencer. É difícil aquele senso de superioridade. No basquete, o novo Dream Team dos Estados Unidos quase perdeu para a Sérvia. Hoje um bronze custa muito mais, por isso esse olhar de maior aceitação”, afirma.

Em Paris, jornais americanos como The New York Times e Washington Post adotaram a classificação no quadro de medalhas a partir do total -fugindo do tradicional ranking adotado pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) de quem possui mais ouros.

O Comitê Olímpico Brasileiro, por exemplo, mede a evolução do país pelo número total de medalhas conquistadas em cada ciclo olímpico desde Londres-2012.

A canoísta Ana Sátila Vargas, por exemplo, virou trending topics na X (antigo Twitter) pela quantidade de provas disputadas.

A mineira se despediu de Paris sem pódio, mas com o devido reconhecimento após terminar em quarto e quinto lugar nas provas de K1 e C1, respectivamente.

Tóquio ainda segue como recorde brasileiro de medalhas -21 no total, sendo sete delas de ouro. Na França foram vinte, mas possivelmente um legado ainda maior de reconhecimento dos atletas.

KLAUS RICHMOND / Folhapress

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