WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A palestina Rufaida al-Ghalayini telefonou para um sobrinho. Era madrugada. Disse que soldados israelenses tinham entrado em sua casa em Gaza e matado suas duas irmãs, chamadas Arwa e Maysun. Com dificuldades para se locomover, Rufaida, 69, pedia socorro.
A notícia chegou naquela mesma manhã de 10 de julho ao Brasil, onde moram alguns de seus parentes. Entre eles, Hazem Ashmawi, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Os familiares compartilharam a informação em suas redes sociais, tentando amparar Rufaida, com quem não tiveram mais contato.
Só depois de dois dias eles conseguiram confirmar que Rufaida também tinha morrido. A casa havia sido queimada. A reitoria da Unicamp emitiu uma nota de solidariedade a Ashmawi naquele mesmo dia, atribuindo ao Exército de Israel a “ação de extrema violência” contra as três mulheres.
O caso foi reportado pela rede de TV Al Jazeera, com imagens do local, e pelo jornal palestino Al-Ayyam, que entrevistou alguns membros da família que fugiram para o Egito durante a guerra.
Uma das pessoas no Brasil mais próximas das vítimas era Salwa, 88, a mãe do professor Ashmawi. Rufaida, Arwa e Maysun eram primas do pai de Salwa. Elas conviveram juntas em Gaza e se tratavam como primas-irmãs.
Salwa se casou com um homem egípcio e emigrou em 1962 para o Brasil, onde teve Ashmawi e uma filha. Ela chegou a visitar Rufaida em Gaza nos anos 1990. Com alguma frequência, mantinha contato com as parentes por meio de um aplicativo de mensagens.
Rufaida, Arwa e Maysun moravam em uma casa de dois andares no bairro de classe média de al-Rimal, na Cidade de Gaza, a cerca de um quilômetro da orla do Mediterrâneo. Rimal abrigava antes da guerra a maior parte dos prédios governamentais, assim como restaurantes, clubes e shoppings, as poucas opções de lazer para a população de Gaza.
O bairro já tinha sido alvo de bombardeios israelenses em conflitos anteriores com o Hamas. Desta vez, a ofensiva de Tel Aviv em resposta aos ataques da facção terrorista de 7 de outubro de 2023 o deixou em ruínas.
Na madrugada do dia 10, segundo o relato da família, as três irmãs Ghalayini ouviram batidas na porta. A mais nova delas, Arwa, 65, abriu. Um soldado disparou e a matou na hora. Maysun, 79, foi investigar o barulho e recebeu também um tiro fatal.
Foi quando Rufaida, ainda de acordo com o relato da família, deparou-se com os soldados. Com mobilidade reduzida devido a uma artrose, ela usava um andador. Recebeu um disparo no braço. Quando quis saber por que tinha sido poupada, ouviu que não era uma ameaça para os soldados.
Foi aí que Rufaida telefonou para o sobrinho no Egito e explicou o que tinha acontecido com ela. “Só que ninguém conseguia se aproximar da casa para ajudar porque os israelenses continuavam atirando”, disse o professor Ashmawi à reportagem. A família se desesperou.
Ashmawi e seus parentes começaram a circular mensagens dentro da família e em grupos de apoio aos palestinos. Ouviram rumores de que a casa tinha sido queimada. Pelas imagens que receberam, a notícia se confirmou no dia 12.
A reportagem da Al Jazeera mostrava a destruição no local que seria a casa das Ghalayinis, localizada na rua Gamal Abdel Nasser, uma das principais vias do bairro. Não está claro, até agora, se Rufaida morreu devido aos disparos ou devido ao incêndio.
Salwa, a mãe de Ashmawi, afirma que reconheceu a residência pela TV. O canal árabe exibiu também cenas do enterro das três irmãs no jardim da casa, em meio à guerra. As imagens mostram um túmulo simples, com um bloco de concreto no barro.
Para os parentes no Brasil, a morte de Rufaida, Arwa e Maysun é uma síntese de abusos em Gaza dos quais as forças israelenses são acusadas. “Sempre se coloca que a morte dos civis é um dano colateral”, afirma Ashmawi. “Mas não havia mais ninguém em casa. Por que eles executaram três idosas?”
A reportagem não pôde confirmar os detalhes do relato da família. Os próprios parentes têm dificuldade de obter mais informações vindas de Gaza, que convive com cortes de eletricidade, de telefone e de internet.
Procurado, o Exército israelense não comentou o caso específico das irmãs Ghalayini. Um porta-voz afirmou que “em resposta aos ataques bárbaros do Hamas, as Forças de Defesa de Israel estão operando para desmantelar as capacidades militares e administrativas” da facção terrorista. O Exército disse ainda que toma as precauções possíveis para mitigar o dano a civis.
Os ataques do Hamas deixaram cerca de 1.200 mortos, segundo Israel. Já as operações militares israelenses em Gaza mataram mais de 40 mil, dizem as autoridades ligadas ao Hamas. Diversas organizações de defesa dos direitos humanos acusam Tel Aviv de realizar operações desproporcionais e indiscriminadas, e palestinos denunciam o que consideram ser um genocídio.
Instigada por uma denúncia da África do Sul, a Corte Internacional de Justiça, mais alto órgão jurídico da ONU, determinou em janeiro que Israel tome medidas para evitar atos genocidas, mas não reconheceu as ações militares em Gaza como genocídio.
DIOGO BERCITO / Folhapress