Convenção é chance de Kamala abrir dianteira a um mês de início da votação

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Bill Clinton estava perdendo para George Bush nas pesquisas de intenção de voto no começo de julho de 1992. Após a convenção democrata, porém, ele subiu impressionantes 16 pontos e acabou levando a eleição.

O impacto do evento na disputa foi perdendo força, a ponto de ter sido nulo em 2020. No entanto, a saída de Joe Biden da corrida há menos de um mês e sua substituição por Kamala Harris elevaram a importância da convenção.

Para analistas, é a chance de a democrata se reapresentar ao eleitor, como Clinton fez, e ampliar a magra vantagem atual sobre Donald Trump.

O evento, em Chicago, começa nesta segunda-feira (19) e vai até a próxima quinta-feira (22). Além da democrata e seu vice, Tim Walz, estão previstas participações de Biden (no dia de menor audiência), Barack e Michelle Obama, Bill e Hillary Clinton, e até da atriz Julia Louis-Dreyfus, famosa por interpretar uma vice-presidente (comparada de maneira pouco elogiosa com Kamala) na premiada série “Veep”.

“As convenções funcionam como uma espécie de sessão de motivação para os partidos. São quatro dias em que eles recebem atenção praticamente ininterrupta da mídia para fazer sua propaganda e atacar o outro lado”, diz à Folha Kyle Kondik, editor da Sabato’s Crystall Ball, um dos principais centros de projeção eleitoral dos EUA, vinculado à Universidade da Virgínia.

Por isso, é esperado que após o evento os candidatos avancem nas pesquisas de intenção de voto. A dúvida é se esse impulso se mantém ou se ele perde fôlego –como costuma acontecer.

Trump, por exemplo, avançou cerca de dois pontos percentuais na média das pesquisas quando se compara a véspera da convenção republicana com uma semana após o seu fim. Metade desse ganho já foi perdida, mas essa avaliação fica comprometida tanto pelo efeito da tentativa de assassinato sofrida a dois dias do evento quanto pela troca de candidato do lado democrata três dias após seu fim.

No entanto, o tempo pode ajudar Kamala: quando a convenção acabar, vai faltar menos de um mês para os primeiros estados abrirem a votação por correio. Os primeiros são Minnesota, Dakota do Sul e Virgínia, que iniciam o processo em 20 de setembro.

“Kamala tem se saído melhor que Biden nas pesquisas, e trouxe de volta a corrida para um cenário em que ambos têm 50% de chance de vencer”, diz Kondik. “A questão é: ela consegue avançar mais? Ela pode subir ainda mais nas pesquisas? A convenção vai ser uma oportunidade para analisar isso.”

Nenhum candidato que estava à frente nos levantamentos a essa altura do campeonato perdeu a eleição no voto popular, ressalta o cientista político Christopher Wlezien, autor do livro “A Linha do Tempo das Eleições Presidenciais: Como campanhas importam e não importam” e professor da Universidade do Texas em Austin.

Apesar de ser vice-presidente, Kamala ainda é relativamente desconhecida do eleitor como candidata. A exposição intensa dos quatro dias de convenção é uma oportunidade para ela se definir, antes que alguma das várias linhas de ataque de Trump —acusando-a de radical demais, oportunista ou simplesmente incompetente— colem.

A programação indica que o plano é usar essa semana para propagar a imagem de “guerreiros da alegria” que a campanha de Kamala escolheu, em oposição ao rótulo de esquisitões que tenta colar em Trump e seu vice, o senador J.D. Vance.

Nas proximidades do McCormick Place, que sedia a convenção e, por isso, terá seu acesso controlado pelo Serviço Secreto, a organização montou o que vem sendo chamado informalmente de DemPalooza. O evento, aberto a qualquer interessado, oferece de manicure e oficinas de braceletes da amizade à la Taylor Swift a treinamentos para fazer campanha. Tudo de graça.

Há, no entanto, duas grandes pedras no caminho de Kamala: a expectativa de grandes protestos por ativistas pró-Palestina e o risco de ser percebida à esquerda demais para o gosto do eleitorado independente do qual ela precisa ganhar o apoio.

Milhares de pessoas são esperadas nas manifestações previstas para segunda, quarta e quinta. O temor do partido é a repetição da traumática convenção de 1968, também em Chicago, cujos choques entre a polícia e os protestos contra a guerra no Vietnã entraram para a história.

“Os protestos podem prejudicar Kamala. É uma distração, certo? E eu desconfio que a campanha de Trump vai dizer: ‘olha só, isso é uma amostra do que será uma Presidência de Kamala Harris em 2025’”, diz Wlezien à Folha.

Já Kondik, do Sabato’s Crystall Ball, é mais cético quanto ao impacto das manifestações na corrida. “Vai depender de quão grandes eles serão, quão sérios, e do tipo de cobertura que receberem”, diz. “Mas acho que é muito diferente de 1968, porque muito mais pessoas se importavam com a guerra no Vietnã do que com Israel e Gaza atualmente, no sentido de que havia um recrutamento militar acontecendo, americanos morrendo em grandes números no exterior.”

O outro desafio é a plataforma democrata. Kamala vem sendo cobrada para detalhar suas bandeiras, algo que começou a fazer na última semana ao divulgar suas propostas para reduzir o custo de vida. Ela não tratou ainda, porém, de imigração –a sua maior vulnerabilidade, dada a insatisfação do eleitorado americano com o fluxo recorde durante o governo Biden.

A vice havia assumido a responsabilidade no início do governo de trabalhar para mitigar as raízes do problema, dialogando com países latino-americanos para evitar que suas populações sintam a necessidade de emigrar.

Esse é o contexto de um dos seus pontos mais baixos no governo: questionada em uma entrevista do porquê de não ter ainda viajado para a fronteira, ela respondeu: “Mas eu também ainda não viajei para a Europa.”

Para Wlezien, não há como a democrata escapar de se posicionar sobre o tema, a questão é o grau de especificidade. “O Projeto 2025 é bastante específico, e vemos que isso não está ajudando muito”, afirma ele, em referência ao impopular plano de centenas de páginas elaborado por grupos conservadores do qual Trump tenta se distanciar.

“A convenção pode ser ruim, seja por causa dos protestos, da falta de menção às questões que importam para os eleitores, ou porque Kamala acabe parecendo estar à esquerda demais”, diz o professor. O fato de Kamala ser uma candidata tão nova, na visão dos americanos, faz com que todos esses gestos sejam ainda mais relevantes, avalia.

*

PROGRAMAÇÃO DA CONVENÇÃO DO PARTIDO DEMOCRATA:

– Segunda-feira (19)

– Tema: “Para o povo”

– Segundo a organização, a proposta é mostrar “as conquistas e resultados que o presidente Biden entregou ao povo, com a vice-presidente Harris ao seu lado”. O octogenário vai fazer um discurso à noite, assim como a primeira-dama, Jill.

– Terça-feira (20)

– Tema: “Uma visão ousada para o futuro dos EUA”

– O objetivo da noite será reforçar a estratégia democrata de apresentar Kamala e Walz como o futuro e Trump e Vance, como o passado. O Projeto 2025, uma plataforma conservadora e impopular do qual os republicanos tentam se afastar, deve ser um dos focos.

– Quarta-feira (21)

– Tema: “Uma luta pelas nossas liberdades”

– A defesa do direito ao aborto deve ser o eixo central da noite, com a campanha democrata aproveitando o passado de Kamala como procuradora para projetá-la como alguém que “lutou pelas liberdades dos americanos”. Walz vai fazer o principal discurso da noite.

– Quinta-feira (22)

– Tema: “Pelo nosso futuro”

– O objetivo será acusar Trump de ser uma ameaça ao país, enquanto Kamala é apresentada não só como a escolha segura, mas como aquela que levará os EUA a uma “era melhor e de mais esperança”. O encerramento da noite será feito por Kamala.

FERNANDA PERRIN / Folhapress

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