BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O acordo firmado a portas fechadas entre a cúpula do Congresso Nacional, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e integrantes do governo Lula (PT) recicla exigências para formulação das emendas e abre brecha para a manutenção da falta de transparência sobre os padrinhos de parte dessas verbas.
O texto divulgado em nota conjunta dos três Poderes não obriga a apresentação dos autores das emendas de comissão, que somam R$ 15 bilhões neste ano.
A brecha para esconder quem indicou a verba dos colegiados, que é formalmente assinada pelo presidente do órgão, tem sido usada para destinar de forma desigual as emendas durante negociações políticas.
Esse mecanismo repete justamente o que foi vetado pelo Supremo, em 2022, ao declarar inconstitucionais as emendas do relator.
O acordo político ainda determina que as emendas de comissão devem ser destinadas a “projetos de interesse nacional ou regional”. O texto é similar a trechos da resolução do Congresso Nacional que já cobra “caráter institucional” e “interesse nacional” sobre a emenda.
O pacto entre os Poderes também definiu que governo e Congresso têm 10 dias para elaborar medidas para direcionar os recursos das comissões “de comum acordo entre Legislativo e Executivo”.
A medida atende a pedidos do governo, que reclama da falta de força para definir o destino das verbas, mas há incertezas sobre se o novo formato garantirá que as emendas sejam amarradas a programas do Executivo.
O Congresso também foi contemplado na decisão costurada pelo STF. O texto afirma que deve ser elaborada em 10 dias uma regulação apontando quais “critérios objetivos” serão observados para definir “impedimentos de ordens técnicas” sobre as emendas individuais. Esse trecho atinge situações em que ministérios barram as emendas por supostas lacunas técnicas.
O texto divulgado nesta terça-feira (20) ainda muda a dinâmica das transferências especiais, conhecidas como emendas Pix. Agora os parlamentares devem apontar a finalidade do recurso. O acordo também prioriza o envio da verba para obras inacabadas e cobra prestação de contas ao TCU (Tribunal de Contas da União).
A emenda Pix é uma modalidade de emenda individual que soma R$ 8,2 bilhões em 2024. Sob as regras atuais, a verba pode ser direcionada para o cofre de prefeituras e governos estaduais sem a necessidade de apontar como o recurso será usado. Há poucas barreiras, como o veto a aplicar o recurso para o pagamento de servidores.
O texto divulgado pelos Poderes não afirma de que forma será regulamentada a mudança sobre a emenda Pix. A regra atual, inserida em 2019 na Constituição Federal, diz que essa verba é repassada diretamente ao cofre do estado ou município, “independentemente de celebração de convênio ou de instrumento congênere”
Relator das ações no STF que apontam falta de transparência das emendas, o ministro Flávio Dino havia criticado a forma como deputados e senadores vinham dividindo os recursos.
“Fica evidenciado que não importa a embalagem ou o rótulo (RP 2, RP8, ‘emendas pizza’ etc.). A mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF, qual seja, a do ‘orçamento secreto”, afirmou Dino em uma de suas decisões.
O ministro também disse, em outro despacho, que “o equivocado desenho prático das emendas impositivas gerou a ‘parlamentarização’ das despesas públicas sem que exista um sistema de responsabilidade política e administrativa ínsito ao parlamentarismo”.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso tem sido atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
As indicações parlamentares somam quase R$ 52 bilhões em 2024 e drenam cerca de 20% do gasto discricionário do governo, ou seja, a verba livre para aplicar em obras, custeio da máquina pública e outros programas.
As emendas individuais (R$ 25,1 bilhões no Orçamento de 2024) e de bancadas estaduais (R$ 8,5 bilhões) são impositivas o governo é obrigado a executar o recurso.
O acordo anunciado nesta terça diz apenas que as emendas dos estados serão destinadas a projetos “estruturantes em cada Estado e no Distrito Federal, de acordo com a definição da bancada, vedada a individualização”. Esse tipo de indicação não está entre os principais alvos de questionamentos do Supremo sobre a falta de transparência, pois cada bancada tem o mesmo valor para indicar anualmente.
Já a fatia definida pelas comissões não é obrigatória, mas existe um acordo político para o Executivo seguir as indicações feitas pelo Congresso. Ainda há cerca de R$ 2,7 bilhões dentro da verba do governo que são definidos por bancadas estaduais, fatia que também não é impositiva.
Após o fim das emendas de relator, o Congresso turbinou o recurso das comissões temáticas do Congresso. Essa cifra alcançava cerca de R$ 600 milhões em 2020 e passou a R$ 15 bilhões no atual Orçamento. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), assumiram o comando da divisão do recurso entre lideranças partidárias.
Como a Folha revelou, uma assessora do PP e aliada de Lira chega a enviar listas prontas de emendas que superam R$ 1 bilhão e são apenas assinadas pelo presidente da Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Câmara. Depois, elas são enviadas aos ministérios.
Na reunião entre os três Poderes, ficou estabelecido que a liberação de verbas suspensas pela corte poderá ocorrer, mas só após a fixação de algumas diretrizes. O acordo afirma que Dino irá, “oportunamente, reexaminar o processo”.
MATEUS VARGAS / Folhapress