SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O bom filho à casa torna. Foi assim quando Karim Aïnouz voltou ao seu Ceará natal para gravar “Motel Destino”, depois de se aventurar em sets de filmagem estrangeiros, e é assim agora, ao finalmente retornar ao Brasil com o filme. A primeira parada não podia ser outra Fortaleza, cidade onde nasceu.
“Foi uma estreia para um público que está dentro do filme, então por mais especial que seja exibi-lo em festivais internacionais, a reação aqui foi uma coisa linda”, disse o diretor, dias depois, já instalado num hotel de São Paulo. “Foi emocionante entender que o filme não era só um filme, mas um projeto com outra dimensão.”
A trama acompanha um rapaz Heraldo, vivido pelo estreante Iago Xavier que foge de um grupo de criminosos em Beberibe, a 80 quilômetros de Fortaleza. Quando o cerco aperta, ele busca guarida num motel de beira de estrada, onde se envolve com Dayana, personagem de Nataly Rocha, casada com um ex-policial truculento, na pele de Fabio Assunção.
“Motel Destino” é fruto de um trabalho extenso de formação e pesquisa que ele mantém no Ceará, que, aliado a outros pelo país, tenta descentralizar a produção audiovisual do eixo Rio-São Paulo. O thriller foi feito com mão de obra quase inteiramente local, e o único rosto não nordestino do elenco é o de Assunção.
É natural, agora, que Aïnouz queira retribuir o esforço coletivo que ele conta ter posto seu novo filme de pé. Por isso, quer transformar “Motel Destino” numa trilogia, que vai acompanhar personagens secundários da trama, e também numa série antológica, em que cada temporada deve explorar um gênero cinematográfico.
Ainda são ideias embrionárias, sem muita negociação envolvida, mas o cineasta está disposto a fazê-las acontecer depois de conversar com a reportagem, ele teria uma reunião com produtores, já sobre as empreitadas.
Pensando no desejo de alternar projetos entre o Brasil e o exterior, e também no fato de morar em Berlim, ele filmaria os dois longas de uma só vez, e serviria apenas como showrunner da série. A direção dos episódios ficaria a cargo de novos talentos, que gravariam histórias de terror, amor e crime nos corredores do motel ficcional já usado no filme.
“Eu fiquei tão animado com o lançamento de Motel Destino que essa maluquice acabou surgindo. É importante a gente perenizar o trabalho do audiovisual, porque assim ele se torna profissional, entende? Construir algo financeiramente sólido fora do eixo seria legal, e o motel é um lugar muito rico, do ponto de vista da dramaturgia, então seria fácil.”
Embalado pelo burburinho que a chegada do filme vem causando, em especial após abrir a última edição do Festival de Gramado, o dono do motel que serviu de locação para Aïnouz entrou em contato para dizer que as paredes pintadas de cores fortes pelo cineasta continuam lá, e pedindo para adotar o nome ficcional.
“Motel Destino” teve seu primeiro tapete vermelho no Festival de Cannes, em maio, onde concorreu à Palma de Ouro. Não foi premiado, mas mostrou força ao sair do evento francês com distribuição garantida em vários países. As salas de cinema asseguradas estão em territórios importantes, como Reino Unido, Alemanha e Espanha, e em mais uma porção na Europa, na América Latina e na Ásia.
Para a estreia na França, no fim do ano, Aïnouz quer ainda organizar uma exposição numa instituição pública de Paris, acompanhada do lançamento de um livro, com fotografias de bastidores feitas por ele mesmo, com uma câmera analógica que levava para todos os cantos.
Ele já havia feito esse diário imagético em “Firebrand”, seu primeiro filme em língua inglesa, exibido no Festival de Cannes do ano retrasado e que aguarda para chegar às salas brasileiras, e pretende continuar capturando a intimidade de seus sets, agora em “Rosebushpruning” e “Neon River”, mais uma parceria com a produtora paulista Gullane.
O primeiro filme, um megaprojeto que tem os nomes de Kristen Stewart e Elle Fanning no elenco, o juntará ao roteirista grego Efthimis Filippou, dos filmes de Yorgos Lanthimos, como “Tipos de Gentileza”, que também estreia nesta semana. As gravações começam no mês que vem.
Já o segundo deve rodar em 2025, no Japão, cenário ambicioso para uma produção brasileira, com participação dos já parceiros França, Reino Unido e Alemanha. Aïnouz chama o projeto de um “Marinheiro das Montanhas” documentário bastante pessoal que buscou as raízes argelinas de sua família, ficcional, já que toca no tema da imigração.
Na trama, o público vai acompanhar uma descendente de japoneses que, nos anos 1990, deixa o Brasil rumo à terra de seus pais, como muitos o fizeram naquela década. Ela, porém, se sente perdida entre duas identidades muito diferentes. “É uma história de vingança dela contra países que nunca a abraçaram”, resume o diretor, que quer novamente filmar em película, como foi o caso em “Motel Destino”.
Anunciada recentemente, uma nova adaptação de “O Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, deve ganhar vida nos Estados Unidos também sob a direção de Aïnouz, e com produção de Viola Davis.
MOTEL DESTINO
– Quando Estreia nesta quinta (22), nos cinemas
– Classificação 18 anos
– Elenco Fabio Assunção, Iago Xavier e Nataly Rocha
– Produção Brasil, França, Alemanha, Reino Unido, 2024
– Direção Karim Aïnouz
LEONARDO SANCHEZ / Folhapress