SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O período oficial de campanha não completou nem uma semana e a atuação do candidato e autodenominado ex-coach Pablo Marçal (PRTB) já tem imposto um desafio à Justiça Eleitoral e a suas ferramentas, no sentido de impedir desequilíbrios na disputa.
O caso de maior relevo até o momento envolveu falas do influenciador insinuando, sem qualquer lastro em fatos, que Guilherme Boulos (PSOL) seria um usuário de drogas. Por esse motivo, Marçal acumula, na primeira instância, decisões de remoção de conteúdo de suas contas e de direito de resposta ao psolista.
Mesmo assim, e apesar de ter havido determinação de abertura de investigação policial sobre os fatos, tem repetido o factoide em eventos e nas redes sociais.
A postura agressiva de Marçal, com ofensas pessoais e provocações depois exploradas em suas redes sociais, já levou rivais a desistirem de um debate e impulsionou uma cobrança do prefeito Ricardo Nunes (MDB) por maior agilidade da Justiça Eleitoral, classificada por ele como “lenta”.
Um dia depois do desfalque do prefeito, de Boulos e de José Luiz Datena (PSDB) no evento organizado pela revista Veja, Nunes chegou a sugerir inclusive que representantes da Justiça Eleitoral estivessem presentes em debates eleitorais.
Além do teor de suas falas e postagens, a conduta de Marçal nas redes sociais também virou alvo de questionamentos pela forma. O Ministério Público Eleitoral pediu a abertura de uma ação de investigação judicial eleitoral contra o candidato, citando abuso de poder econômico relacionado à propagação de cortes de vídeos nas redes sociais.
A acusação é que seus vídeos estariam sendo cortados e propagados por terceiros mediante ganhos financeiros, o que é vedado pelas regras eleitorais. Em nota, Marçal disse que “não há financiamento nenhum por trás disso”.
Em eleições anteriores, o que se via recorrentemente era a solicitação de direito de resposta na propaganda eleitoral em rádio e TV, que, neste ano, só começa no próximo dia 30.
No caso relacionado a Boulos, por exemplo, tratado em diferentes processos, Marçal disse, inicialmente, em convenção, que revelaria em debate que dois concorrentes são “cheiradores de cocaína”.
Poucos dias depois, no primeiro debate, o influenciador por mais de uma vez tampou uma das narinas enquanto aspirava com a outra, mas apenas ao se referir a Boulos, cena que replicou depois nas redes com foto do candidato do PSOL. Também passou a chamá-lo de “aspirador de pó”.
Em recurso, em um dos processos, a defesa de Marçal diz que não houve informação ofensiva à honra, que ele não usou o termo cocaína e que o gesto usado configura “uma mera crítica política”. Defende ainda que não houve qualquer abuso ou ilegalidade do direito de liberdade de expressão.
“Em nenhum momento o representado menciona que o representante é ‘usuário de cocaína’, ou qualquer expressão do gênero”, diz uma das peças da defesa de Marçal. “Aspirador de pó, conforme o próprio significado da palavra, é aquele que aspira poeira, pó, fluido, ou seja, aquele que atrai lixo para si próprio.”
Ao se manifestar em um dos processos, o Ministério Público Eleitoral diz ter ficado patente “que os gestos realizados visam indicar que o autor seria usuário de cocaína”.
Na decisão que concedeu direito de resposta a Boulos, o juiz de 1ª instância diz que os conteúdos derrubados buscam imputar a Boulos a condição de usuário e viciado em entorpecentes – tudo isso “sem qualquer comprovação, mesmo que indiciária, do alegado”.
Relacionada ao mesmo tema, já houve também decisão autorizando a instauração de inquérito policial relativo a suposto cometimento de crime eleitoral, como o de divulgar “fatos que sabe inverídicos” e capazes de exercer influência sobre o eleitorado –a pena prevista neste caso é detenção de dois meses a um ano ou pagamento de multa.
Nada disso, porém, teve até o momento o efeito esperado de reprimir que este tipo de comportamento. Desde a primeira decisão de remoção, em 9 de agosto, Marçal seguiu usando termos como “aspirador de pó”, fez cortes com versões menores de seus vídeos ou mudou a composição de um mesmo conteúdo anteriormente postado.
Nesse sentido, os pedidos da campanha de Boulos também escalaram. Em representação apresentada nesta segunda-feira (19), além da remoção de novo rol de postagens no Instagram, X (antigo Twitter) e TikTok, Boulos solicitou também que Marçal tenha que pagar multa de R$ 30 mil, valor máximo nas regras citadas para embasar a solicitação.
Ao final, solicitou ainda que o juiz faça uma advertência a Marçal quanto à possibilidade de aplicação de outras penalidades, “como a suspensão do perfil do requerido em caso de reiteração da conduta”.
Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do centro de pesquisa InternetLab, vê como relevante um caminho de escalar a sanção a partir da reincidência da conduta. “A reiteração demonstra a má-fé”, diz.
Ele avalia ser importante colocar sobre a mesa mecanismos mais duros como a suspensão de perfil, argumentando que a Justiça Eleitoral deve atuar para garantir a igualdade de chances entre os candidatos. “Não pode abusar e ganhar”, diz. Ele pondera, entretanto, que certas decisões podem gerar um efeito de vitimização.
Yasmin Curzi, professora da FGV Direito Rio, diz que há diferentes dispositivos no direito eleitoral que buscam combater o tipo de conduta de Marçal, mas que, ao tratar da reiteração e do quadro geral, sua postura desafia profundamente a Justiça.
Ela avalia que Marçal não parece estar preocupado com as eventuais sanções ou punições, mas em aumentar sua popularidade. “A campanha do Marçal é apocalíptica, contra tudo e contra todos, querendo mais popularidade, não importa o custo”, diz.
“As ofensas serão objeto de medidas judiciais e nós vamos buscar também a responsabilização por eventuais descumprimentos”, diz o advogado Francisco Almeida Prado Filho, um dos representantes de Boulos nos processos. “O que a gente vê é um uso abusivo das redes sociais para a disseminação da desinformação.”
RENATA GALF / Folhapress