SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O suicídio de crianças e adolescentes tem aumentado no Brasil e há muitas dúvidas sobre a melhor forma de abordar o assunto. Na semana passada, uma reportagem sobre a morte de um menino de 14 anos, estudante do Colégio Bandeirantes, inflou ainda mais a discussão e, além dos questionamentos sobre a abordagem da imprensa, há a dúvida de como tratar o tema com os próprios jovens.
O primeiro passo, segundo os especialistas, é não esconder deles o que acontece. A taxa de suicídio entre crianças e adolescentes cresceu 6% ao ano no país de 2011 a 2022, de acordo com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), e as taxas de notificações por autoagressão na faixa etária de 10 a 24 anos de idade evoluíram 29% ao ano no mesmo período.
Evitar a conversa ou ignorar o assunto pode levar a mal-entendidos, diz o presidente da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), Antônio Geraldo da Silva. “É sempre melhor ter um diálogo aberto com eles.”
Não é necessário informar detalhes sobre o acontecimento, nem os meios utilizados, diz o psiquiatra Rodrigo Martins Leite, do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo), mas é importante elaborar junto à criança que houve uma perda e buscar a melhor forma de lidar com ela.
“Acho que esses são os princípios gerais. Não alardear o que aconteceu, mas não obscurecer e fingir que não aconteceu nada”, diz.
No caso das crianças, explica o psiquiatra Alan Campos, é necessário primeiro introduzir o que é a morte. “A morte pressupõe alguns conceitos de irreversibilidade e universalidade, ou seja, de que não tem volta e de que isso vai afetar todas as pessoas”, diz. Normalmente, segundo ele, as crianças entendem isso entre 7 e 9 anos.
Antes disso, não há necessidade de informar que aconteceu um suicídio. “Pode falar que a pessoa estava sofrendo muito e acabou partindo para descansar, não precisa entrar em maiores detalhes”, diz.
Mas quando a criança ou adolescente já entende o que é a morte e de alguma forma soube que aconteceu um suicídio, como é no caso das escolas, há meios para ter uma conversa delicada com eles, diz Campos.
“Explicar que a pessoa não teve suporte, não conseguiu falar que estava sofrendo e optou por uma forma ruim de lidar com isso, que foi tirar a própria vida, mas falar que não precisa ser desse jeito, que há meios de lidar com o sofrimento, com as emoções negativas, e que por isso é importante falar sobre o que sentimos”, avalia.
A ABP recomenda que nessa conversa seja usada uma linguagem simples, clara e adequada para a idade do jovem, sem termos técnicos ou exemplos muito complexos. “Crianças não são mini adultos e há uma diferença para tratar o assunto com crianças e adolescentes”, diz Silva.
A abordagem mais importante para tratar o assunto com crianças e adolescentes, dizem os especialistas, é falar sobre o sofrimento psíquico. Segundo eles, é necessário estar disposto a propor o diálogo com a criança ou com o adolescente sobre seus sentimentos e sofrimentos.
“Falar sobre o que fazer quando está sofrendo e que, se a ideação [suicida] passou alguma vez pela cabeça [do jovem], ele pode conversar e comunicar o sofrimento para procurar ajuda o mais breve possível”, afirma Campos.
O processo não precisa ser feito apenas pelos familiares, diz Leite. “Programas de prevenção de suicídio são bastante bem-vindos e, infelizmente, ainda são pouco sistematizados nas escolas, tanto públicas quanto privadas”.
Segundo ele, há como aplicar estratégias universais, seletivas e individuais após uma notícia de suicídio.
As universais, aplicadas em uma escola inteira ou comunidade, por exemplo, podem incluir a promoção da saúde mental, de comportamentos de busca de ajuda e incentivo a fatores protetivos, como aumento de estratégias de enfrentamento ao estresse e melhora do clima escolar.
Nas estratégias seletivas, há o foco em determinados grupos, como adolescentes que já fazem tratamento em saúde mental, que sofrem estigmatização na sociedade ou que fazem uso de substâncias. E, individualmente, há estratégias para os indivíduos percebidos como de maior risco de suicídio na escola.
“Infelizmente, só se lembra disso quando ocorre uma tragédia na sala de aula e aí se levanta a necessidade de haver alguma intervenção”, diz Leite. Para ele, a melhor forma de prevenir o suicídio é falar do assunto e da saúde mental cada vez mais, mas sem divulgar pormenores de situações individuais.
“A gente tem que caminhar em um equilíbrio tênue entre o risco do contágio [a divulgação de um suicídio levar a outros] e o risco da negação do problema. Acho que a gente precisa estar no meio-termo, mas realmente precisa falar de saúde mental e suicídio nessa faixa etária”, diz.
ONDE BUSCAR ATENDIMENTO?
**Rede de Atenção Psicossocial**
Mapa mostra as unidades da rede habilitada pelo Ministério da Saúde até set.2020
**Mapa Saúde Mental**
Site mapeia diversos tipos de atendimento: www.mapasaudemental.com.br
**CVV (Centro de Valorização da Vida)**
Voluntários atendem ligações gratuitas 24 horas por dia no número 188: www.cvv.org.br.
GEOVANA OLIVEIRA / Folhapress