SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Incêndios que afetam diferentes partes do Brasil podem estar ligados a uma falta de chuva histórica -a mais grave já registrada nas últimas quatro décadas- que atinge 16 estados e o Distrito Federal.
Os dados da seca são do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), que considerou informações de maio a agosto para todas as unidades da federação desde 1981, ano de início dos registros.
Números preliminares do centro para agosto deste ano mostram que aproximadamente 7 de cada 10 municípios brasileiros estão afetados por algum tipo de seca -fraca, moderada, extrema ou severa.
Além de uma influência do El Niño do ano passado, a chuva está sendo prejudicada ainda pelo modo zonal do Atlântico, caracterizado pelo resfriamento das águas do oceano na costa da África, que enfraquece o fluxo de ventos com umidade para o Brasil.
O país enfrenta uma alta de 78% nos focos de incêndio, com 109.943 registros de 1º de janeiro até a última segunda-feira (26), ante 61.718 no mesmo período em 2023, segundo o BDQueimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Parte da explicação para o fenômeno pode estar na falta de chuvas, segundo Ana Paula Cunha, pesquisadora de secas do Cemaden. “Em todos os anos em que temos grandes secas, temos recordes de focos de queimada.”
Desconsiderando as ações criminosas, o aumento de focos de incêndio no período seco é comum, por causa do manejo agrícola, segundo Cunha. “Mas em anos muito secos, temos condições favoráveis para o alastramento e a perda de controle do fogo. O fogo sempre tem, porque é prática de manejo.”
Mas segundo a pesquisadora, é preciso repensar as técnicas de manejo no campo. “É bastante errado, não faz mais sentido ter isso no nosso país, dadas as condições que a gente tem visto de recorrência de seca e de temperaturas mais altas.”
Ela lembra do recorde de queimadas no pantanal em 2020, resultado de uma combinação entre o ambiente seco, chuvas abaixo do normal e temperaturas elevadas. Uma das coisas que chamou a atenção da pesquisadora tem sido a duração da seca em um arco ao longo do país, que vai do Acre e do Amazonas até São Paulo.
Na análise preliminar do Cemaden para o mês de agosto de 2024, 69% dos municípios brasileiros (3.850 de 5.570) enfrentam algum tipo de seca, e 1.313 deles em situação de seca severa, o pior nível na escala. Entre estes está Porto Velho, capital de Rondônia, cuja população tem sofrido com a fumaça de incêndios florestais intensos na região.
Já no estado de São Paulo, com alerta de emergência para incêndios até sábado (31), todas as cidades estão sob algum nível de seca, que inclusive já afetou os reservatórios de água do estado.
A falta de chuvas identificada no levantamento do Cemaden pode ter raízes não apenas no El Niño, configurado no ano passado e atualmente em fase neutra, mas em um evento chamado pela Noaa (Administração Oceânica e Atmosférica dos EUA) de La Niña do Atlântico, caracterizado pelo resfriamento das águas do oceano perto da costa da África.
Nathalie Tissot Boiaski, professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Meteorologia da Universidade Federal de Santa Maria, afirma ser mais conservadora e não usa a expressão, mas explica que o fenômeno é o modo zonal do Atlântico, observado ao menos desde junho.
O fenômeno é caracterizado pelo resfriamento das águas do Atlântico tropical leste, na área próxima da costa africana, segundo a professora. “Isso fez com que os ventos alísios que atuam na região tropical, considerando esses últimos 30, 60 ou até 90 dias, tenham um certo enfraquecimento.”
Esses ventos normalmente levam umidade ao Brasil em corredores que chegam por Nordeste e Norte, passando pela amazônia e sendo desviados pelos Andes à porção centro-sul do país, levando umidade e chuvas.
Essa anomalia dos ventos no Atlântico, diz Nathalie, combinada aos efeitos do El Niño no ano passado, intensificou a seca no Brasil. “Nesse ano, infelizmente, nem chegamos ao ápice do período seco e de fogo, que seria setembro.”
Eventos como El Niño e o modo zonal do Atlântico, ela afirma, são naturais, mas seus efeitos são agravados pelo que ela chama de forçante antropogênica. Neste caso, a emissão de gases de efeito estufa.
LUCAS LACERDA / Folhapress