SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal listou à Justiça uma série de suspeitas a apurar sobre eventual participação do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na máfia das creches, incluindo um vídeo em que uma investigada no caso cita que ele recebeu repasses desviados de unidades de ensino.
Conforme a Folha de S. Paulo revelou, PF decidiu no mês passado dar continuidade a um inquérito sobre o caso, que tem como um dos objetivos apurar suspeitas de lavagem de dinheiro pelo atual prefeito quando ele ainda era vereador da cidade. A PF aguarda autorização da Justiça para prosseguir na apuração.
A defesa de Nunes, por sua vez, entrou com pedido de arquivamento. Os advogados do prefeito afirmam que a PF decidiu dar continuidade ao inquérito justamente no período eleitoral, após cinco anos de investigações, e que repete agora o que o Ministério Público de São Paulo já havia feito antes, tendo concluído pela inexistência de irregularidades sobre os mesmos fatos.
No despacho em que a PF insiste na continuidade da apuração, ela afirma que pode ser necessária a quebra de sigilo bancário e fiscal “das principais pessoas físicas e jurídicas envolvidas, a fim de rastrear o recebimento e o destino dos recursos recebidos”, incluindo cartões de crédito.
O documento não menciona detalhes de quais pessoas seriam alvo para não alertar eventuais investigados.
A corporação rebate as afirmações da defesa de Nunes e, além de pontos não elucidados, cita o vídeo revelado pela Folha de S. Paulo no mês passado em sua justificativa para continuidade do caso.
Nunes sempre afirmou que repasses a ele e a uma empresa de sua família eram referentes a pagamentos de serviços de dedetização. Rosângela Crepaldi, em vídeo, contradiz essa versão.
“Foi repasse”, disse. “[Nunes] nunca prestou nenhum serviço”, completa, em trecho de vídeo obtido pela reportagem. Segundo nota do advogado dela, William Albuquerque de Sousa Faria, ela “produziu o referido vídeo por razões de segurança, sem a intenção de torná-lo público”.
De acordo com a manifestação da PF, “após a elaboração do relatório conclusivo, soube-se pela mídia que Rosângela Crepaldi dos Santos, que ficou em silêncio em sede policial, teria gravado um vídeo em que afirma que empresas de Ricardo Nunes teriam recebido dinheiro das creches sem terem prestado quaisquer serviços”.
Conforme a Folha de S. Paulo revelou em 2021, Nunes e uma empresa de sua família, a Nikkey Serviços S/S Ltda, receberam em 2018 valores de uma firma chamada Francisca Jacqueline Oliveira Braz, tida pela polícia como suspeita de ser uma grande “noteira” (fornecedora de notas) da máfia das creches.
Segundo documento da Justiça Federal obtido pela reportagem, foram dois cheques no valor de R$ 5.795,08 cada um para Nunes em fevereiro daquele ano, revelados após quebra de sigilo bancário.
Ainda de acordo com o documento, a suposta empresa “noteira” enviou outros R$ 20 mil à Nikkey, companhia de controle de pragas em nome da mulher do prefeito, Regina, e de uma filha dele de relacionamento anterior, Mayara.
“Por si só, esse fato merece uma apuração mais aprofundada ou, se a defesa preferir outro nome,
continuidade das investigações”, afirma o despacho.
A PF enumera uma série de perguntas sobre relações de Nunes com a entidade Acria (Associação Amiga da Criança e do Adolescente), que gere creches conveniadas da prefeitura na zona sul de São Paulo com a qual Nunes tem proximidade. A então presidente da entidade, Elaine Targino, também seria funcionária da empresa Nikkey, segundo a PF.
Entre os pontos questionados estão por que Nunes recebeu o dinheiro na própria conta e por que manteve uma empresa no nome de familiares.
Um funcionário da empresa citado teria afirmado que os recebimentos se davam por meio de boletos, desconhecendo pagamentos por cheques, transferências e notas fiscais.
Além disso, a polícia diz querer entender por que empresas chamadas noteiras devolveram valores à Acria em dinheiro que ultrapassaram R$ 1,5 milhão e para onde foi esse dinheiro.
A PF classifica como agressiva a petição da defesa de Nunes e defende a investigação feita até agora, citando 116 indiciamentos. Segundo o documento, as investigações também ocorreram sob o mais rigoroso sigilo, o que incluiu quando Nunes prestou depoimento por meio de vídeo-chamada.
A petição da defesa diz não haver indiciamento de Nunes e que as justificativas trazidas para o pedido de desmembramento da PF não apresentam novidades, além de haver excesso de prazo. Também afirma que a manutenção do inquérito proporciona uso eleitoral contra Nunes.
A coordenação jurídica da campanha de Nunes afirmou nesta terça (27) que “o delegado da Polícia Federal pede à Justiça agora, depois de 5 anos e a um mês da eleição, o que o Ministério Público de São Paulo já fez em 2021”. “E, aliás, determinou o arquivamento do inquérito civil público sobre os mesmos fatos, externando a inexistência de qualquer irregularidade ou ilicitude por parte de Ricardo Nunes e sua família”, acrescenta.
Antes disso, a defesa também havia enviado um pedido de exclusão do vídeo citado na reportagem da Folha de S. Paulo. A ação do prefeito inicialmente trazia para exclusão links de reportagens da Folha, que revelou o caso, e outros veículos de comunicação, como Metrópoles, Carta Capital e Poder 360.
Posteriormente, porém, a defesa de Nunes recuou e mandou à Justiça um pedido de retificação do material no qual afirma não solicitar a retirada do ar de material jornalístico e sim dos que faziam uso político e eleitoral dele nas redes sociais
Nunes nega qualquer irregularidade e diz nunca ter sofrido qualquer acusação no inquérito no qual Rosângela foi investigada. Também afirma que causa perplexidade o vídeo ser divulgado a dois meses das eleições e que as declarações serão analisadas pela defesa do prefeito para que ela responda por denunciação caluniosa.
ARTUR RODRIGUES E FLÁVIO FERREIRA / Folhapress