SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil perde, no momento, R$ 100 bilhões de investimento em data centers só no estado de São Paulo por causa das restrições regulatórias da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), diz o presidente-executivo da CPFL, Gustavo Estrela.
O estado, hoje, oferece cerca de 800 megawatts (MW) de eletricidade aos centros de processamento de dados, que são o chão de fábrica da economia digital e estão por trás, por exemplo, do envio de mensagens no WhatsApp e das respostas do ChatGPT.
Segundo Estrella, porém, há demanda por 2.500 MW, mas a CPFL não pode garantir esse fornecimento sem investir em uma conexão especial de transmissão ou distribuição que custaria cerca de R$ 2 bilhões.
“Para que eu faça esse investimento, eu preciso ter uma garantia que esse mercado virá, senão eu tomo o risco como distribuição, que é considerado pela regulação um investimento imprudente”, diz o executivo. De acordo com ele, esse risco, se tudo desse errado, representaria um acréscimo de 0,1% na tarifa.
A situação seria resolvida com uma portaria sobre investimento em infraestrutura específica de data centers, avalia Estrella. “Podemos fazer isso de uma forma muito organizada e planejada, de forma que a gente minimize o risco de esse consumo não vir”.
Procurada, a Aneel não respondeu até a publicação desta reportagem.
O Brasil tem potencial para se tornar o principal centro para inteligência artificial (IA) na América Latina, disse à Folha de S.Paulo Chris Torto, o presidente-executivo da Ascenty, empresa com o maior número de data centers instalados na América Latina.
Torto elogiou os investimentos de R$ 23,9 bilhões indicados no Pbia (Plano Brasileiro de Inteligência Artificial), que incluem construção de data centers, mas a aplicação direta de dinheiro do governo não é o essencial para ele. “Precisamos de melhores condições nos impostos e de capacitação de profissionais”, afirma o executivo.
Embora o país tenha na matriz elétrica 88% limpa, segundo os dados mais recentes da EPE (Empresa de Pesquisa em Energia) de 2022, como atrativo para as big techs, o Brasil ainda não tem nenhum data center adaptado para IA em seu território. Nem mesmo a Amazon, que tem no país a sua sede para América Latina, trouxe uma planta com os chips mais poderosos.
Essas empresas precisam conciliar a crescente demanda por eletricidade desencadeada pela tecnologia com os compromissos firmados para zerar emissões de carbono.
Os Estados Unidos, em comparação, tem uma matriz 75% suja. “Os grandes provedores de nuvem, como Google, Microsoft e AWS [Amazon Web Services], consideram investir em usinas nucleares só para alimentar inteligências artificiais”, afirma Torto, que atende as principais big techs na Ascenty.
Apesar da matriz elétrica pouco sustentável, os Estados Unidos concentram, junto com a China, a maior parte da infraestrutura de processamento de dados do mundo. Isso ocorre em razão da alta demanda e investimento das empresas que desenvolvem tecnologia de ponta.
Segundo o executivo da Ascenty, um data center atual tem potência (diretamente proporcional ao consumo) de 20 MW a 30 MW, contra de 200 MW a 500 MW, no caso dos data centers já adaptados para IA.
Um data center grande atual, de 30 MW, consome eletricidade equivalente a uma cidade de 30 mil habitantes, de acordo com a Equinix, a empresa com o segundo maior número de plantas instaladas no país.
Como base de comparação, a cidade de Campinas, que tem a maior capacidade instalada no país, tem 410 MW somando todas as plantas, de acordo com a consultoria JLL.
Procurado pela Folha, o presidente da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC), Gustavo Moraes, diz que a entidade pleiteia vantagens tributárias junto ao Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), de Geraldo Alckmin, há cerca de um ano.
“A resposta do governo é sempre que não há espaço para algo diferente enquanto não sair a regulamentação da reforma tributária, com as definições sobre o IVA [imposto sobre valor agregado]”, afirma o presidente da ABDC.
Moraes, por outro lado, não diminui a importância dos investimentos do próprio governo nesse tipo de tecnologia. “Nós temos apoiado uma iniciativa do governo em escrever uma política para contratação de serviços de nuvem e data centers, e temos indicado o uso de infraestrutura particular para abrigar serviços do governo seria uma ótima estratégia.”
Outro fator que pesa na atração de data centers para o Brasil será o nível de rigor da regulação brasileira de inteligência artificial em tramitação no Senado. A votação do projeto foi adiada em julho, após a CNI (Confederação Nacional da Indústria) apresentar nota técnica afirmando que o rigor do texto espantaria data centers do país.
O Brasil abriga hoje 146 data centers em 25 regiões, de acordo com o levantamento colaborativo Data Center Map. Torto, da Ascenty, estima que 80% das plantas da América Latina estejam no país. “Essa tendência deve se manter.”
Em 22 de março, esse número era de 130 plantas, o que indica um crescimento de 16 unidades nos últimos cinco meses.
PEDRO S. TEIXEIRA / Folhapress