BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Nos meses de julho e agosto deste ano, 593 pessoas foram resgatadas de situações análogas à escravidão, durante a maior operação conjunta do país, segundo balanço divulgado nesta quinta-feira (29) pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) e demais órgãos federais do trabalho.
A maior parte dos resgatados eram trabalhadores rurais da região Sudeste do país. Os estados com maior número de resgatados foram Minas Gerais, com 291 pessoas, seguido de São Paulo, com 143.
Os resgates foram feitos em todas as regiões do país, com 445 concentrados na região sudeste.
A 4ª Operação Resgate foi feita em parceria entre a pasta com DPU (Defensoria Pública da União), MPT (Ministério Público do Trabalho), MPF (Ministério Público Federal), Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.
A pessoa mais velha resgatada pela operação foi uma idosa de 94 anos em Mato Grosso, que estava há 64 anos em trabalho doméstico análogo à escravidão para uma mesma família.
Com a morte da pessoa a qual ela cuidava, foi decidido que a vítima teria direito à casa onde trabalhou. A família responsável pelo crime responde judicialmente, além de arcar com despesas da vítima.
“A partir do momento em que essa atividade foi tornada ilegal pelo Estado, não se pode mais falar em trabalho escravo, mas sim análogo ao escravo, uma escravidão contemporânea”, explica o subprocurador-geral do Trabalho do MPT, Fábio Leal. “Ela assume um viés completamente diferente, que é essa servidão por dívidas, por isolamento geográfico”.
Na operação, não foram levantados dados de cor e raça das vítimas, apenas perfil socioeconômico. Além disso, a operação também identificou quatro argentinos em situação análoga à escravidão no município de Anta Gorda (RS), que já foram indenizados e retornaram ao país de origem.
Os dados finais da fiscalização estão sendo consolidados, pois equipes seguem em campo ou estão concluindo os resultados das fiscalizações. De acordo com os órgãos, no entanto, já é possível observar o aumento de denúncias e a identificação de casos de trabalho escravo doméstico.
Na área rural, a maioria dos casos se passaram em áreas de cultivo de cebola (141), horticultura (82), de café (76) e de alho (59), enquanto a área urbana teve maior parte das ocorrências nas áreas de construção civil, clínicas de dependentes químicos e restaurantes.
Até o momento, 55% das rescisões já foram pagas aos trabalhadores, um total de R$ 1,91 milhões.
A operação também resgatou 18 crianças e adolescentes submetidos a trabalho infantil, das quais 16 também estavam sob condições semelhantes à escravidão.
A região Nordeste ficou em segundo entre as regiões da lista com mais resgates, tendo 91 trabalhadores resgatados.
Além do resgate de trabalhadores, a operação buscou verificar o cumprimento das regras de proteção ao trabalho, permitir a coleta de provas para responsabilizar, nas esferas criminal e trabalhista, os responsáveis pela exploração dos trabalhadores e assegurar a reparação dos danos individuais e coletivos causados aos resgatados.
Em agosto de 2023, a fase anterior da operação retirou mais de 532 trabalhadores de situação análoga à escravidão em 22 estados.
COMO DENUNCIAR
Para denunciar situações de trabalho escravo, qualquer um pode entrar em contato por meio do Sistema Ipê, ligado ao MTE, ou do Disque 100.
O Ipê recebe e encaminha denúncias exclusivas de crime de redução a trabalho análogo ao de escravo. O Disque 100, por sua vez, é para qualquer violação dos direitos humanos e gerido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
O coordenador-geral de fiscalização para Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo e Tráfico de Pessoas do MTE, André Roston, recomenda os canais oficial, mas reforça que o meio para denúncia ideal é aquele que estive mais facilmente ao alcance das vítimas, que nem sempre dispõe das mesmas formas de acesso.
“O melhor canal é aquele que funciona”, diz. “O canal mais geral que a gente tem é o próprio Disque 100 porque é por telefone, com uma pessoa qualificada do outro lado da linha”.
No portal do MTE, a triagem das denúncias é feita por algoritmos. Pode ser acessado em português, inglês, espanhol e francês.
Já no Disque 100 denúncias de todo o Brasil chegam por meio de ligações telefônicas gratuitas e anônimas.
O artigo 149 do Código Penal define o trabalho análogo ao de escravo e estabelece prisão de dois a oito anos e multa. A Instrução Normativa nº 2, do Ministério do Trabalho, de 2021, reforlça o que diz o artigo e detalha critérios para configuração do crime.
O trabalho é considerado análogo à escravidão se submete a pessoa a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes, além da escravidão por dívida ou retenção no local de trabalho. Se um caso atender a qualquer um desses critérios já pode ser enquadrado no crime.
A instrução normativa ainda define o trabalho forçado como aquele exigido sob ameaça física ou psicológica e para o qual o trabalhador não tenha se oferecido ou no qual não deseje permanecer espontaneamente. Já o trecho sobre condição degradante se refere a qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito fundamental do trabalhador.
MARIANA BRASIL / Folhapress