Ladrão de livros raros, após documentário no Globoplay, escreve as suas memórias

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ladrão de livros raros Laéssio Rodrigues de Oliveira, que furtou milhares de obras de bibliotecas e museus brasileiros nos anos 1990 e 2000, está escrevendo, veja só, um livro. Será sobre sua passagem pelo complexo penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, onde esteve de 2007 a 2012, e detalhará diversos furtos, alguns deles cinematográficos, que o levaram ao encarceramento.

Laéssio foi objeto de uma série de reportagens da Folha de S.Paulo em 2018 e 2019, quando escreveu uma carta ao jornal denunciando que algumas gravuras expostas no Itaú Cultural de São Paulo, na avenida Paulista, tinham sido furtadas por ele próprio da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro 15 anos antes.

As obras pertenciam ao álbum “Souvenirs de Pernambuco”, composto de 12 gravuras de autoria do alemão Emil Bauch, impressas na Europa em 1852. Após perícia, o Itaú Cultural devolveu as peças à Biblioteca Nacional e iniciou um processo de revisão de sua coleção Brasilianas.

Ainda buscando uma editora, Laéssio pretende mostrar “a realidade do sistema prisional por dentro”, diz ele, como o fato de, em certa ocasião, ter pagado R$ 1.000 para dormir em um local menos lotado na prisão.

O livro tem o título provisório de “Abalei Bangu” e está em processo de escrita. “Tenho 150 páginas já prontas e faltam outras 150”, diz ele, mostrando à reportagem dois cadernos universitários nos quais está escrevendo o texto à mão.

Laéssio vai contar, por exemplo, como furtou 40 mil gibis de uma biblioteca carioca no Carnaval de 2006. “Estavam no anexo da instituição e nem haviam sido catalogados ainda. Eram coleções da Ebal, do Globo e da Abril. Subornei os três funcionários do local e, um dia, cheguei com três caminhões.”

“Foi preciso alugar três quartos do hotel em que eu estava, no Flamengo, para guardar as 40 mil revistas. Alguns dias depois, estavam numa casa de São Bernardo. Esses gibis fui vendendo aos poucos para colecionadores”, conta.

Hoje, ele é conhecido pelos diretores de todas as instituições importantes do Brasil, de onde estima já ter “subtraído”, como prefere dizer, 60 mil itens. A maioria é formada por revistas, mas há livros, gravuras e “umas 10 mil fotografias”, em suas palavras.

Articulado, Laéssio foi à escola aprender a furtar melhor. “Entrei na faculdade de biblioteconomia para saber como me portar no meio dos bibliotecários, apenas para roubar melhor”, conta ele, que cursou três anos na Fesp, na Vila Buarque, em São Paulo.

“Faltou um para me formar”, afirmou à Folha de S.Paulo em 2018. Quem quiser saber mais sobre a trajetória do criminoso pode assistir “Cartas para um Ladrão de Livros”, documentário de 2017 dirigido por Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros. Com uma hora e 36 minutos, o filme está no Globoplay.

Na semana passada, Laéssio descreveu ao jornal outro de seus furtos, o de um exemplar de “o livro das cobras”, apelido pelo qual é conhecido o livro de gravuras “Serpentum Brasiliensium species novae”, do naturalista alemão Johann von Spix, um dos primeiros zoólogos a pesquisar a região amazônica brasileira, no início do século 19.

Publicado na Alemanha em 1824, o livro das cobras faz parte de uma série de obras semelhantes do autor, como o livro dos macacos, o das aves, das tartarugas, dos sapos, dos lagartos etc. Laéssio diz ter “subtraído” o exemplar do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém do Pará, por volta de 2006.

“Entrei como pesquisador e recebi a chave do setor de obras raras. Ninguém acompanhava naquela época, não havia câmeras nem sistema de segurança. Peguei mais de 30 livros nos três dias em que fui lá. Levava eles em mochilas ou, se eram muito grandes, amarrados no corpo com barbantes. Não tive ajuda de ninguém nesse caso.”

O diretor do museu paraense, Nilson Gabas Jr., confirma o sumiço de 60 obras da instituição. “Foi constatado o roubo de conjunto de 40 enófilos e 20 livros da Coleção de Obras Raras do Museu Goeldi. Até o momento, cinco obras foram localizadas, sendo que duas já retornaram ao Museu Goeldi”, afirmou Gabas Jr.

Segundo Laéssio, quando foi preso em 2007, ele não informou a procedência das obras encontradas em sua casa. A polícia, então, encaminhou o “Livro das Cobras” à biblioteca Barbosa Rodrigues, localizada no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. “De fato, a polícia nos encaminhou esse livro em 2007, mas constatamos que não era nosso e o devolvemos”, afirmou a chefe da biblioteca, Rosana Medeiros.

A intenção de Laéssio ao relatar esse antigo furto é peculiar. “Quero chamar a atenção para o meu livro e encontrar uma editora que o publique”, disse. A julgar pelo número de “subtrações” realizadas, essa história ainda está longe de acabar.

IVAN FINOTTI / Folhapress

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