SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A coalizão de partidos liderada pelo primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, apresentou nesta quinta-feira (29) um pacote legislativo no Parlamento que endurece leis de imigração, asilo e porte de armas seis dias depois de um refugiado sírio matar três pessoas em um atentado a faca na cidade de Solingen no último dia 23.
A coalizão composta pelo SPD (Partido Social-Democrata) de Scholz, pelos Verdes do vice-premiê Robert Habeck e pelo FDP (Partido Liberal-Democrata) do ministro da Economia Christian Lindner tem maioria no Bundestag, o parlamento alemão, e o pacote deve ser aprovado rapidamente e sem surpresas.
A ministra do Interior, Nancy Faeser, disse em uma entrevista coletiva na quinta que as medidas são “extensas e duras”. Elas incluem uma interrupção nos benefícios recebidos por refugiados que solicitaram asilo em outro país da União Europeia e depois foram até a Alemanha –agora, quem fizer isso só receberá o mínimo necessário para fazer a viagem de volta ao país onde tramita o pedido de asilo.
Esse foi o caso do refugiado sírio preso no último domingo (25) por conta do atentado em Solingen. Issa Al H., que teve o sobrenome omitido pelas autoridades como pedem as leis de privacidade alemãs, entrou na União Europeia pela Bulgária em 2022 e pediu asilo como refugiado da guerra na Síria ao governo búlgaro.
Quando Al H. entrou na Alemanha, Berlim pediu a Sofia que o recebesse de volta, uma vez que ele deveria esperar a conclusão do seu pedido de refúgio na Bulgária. Assim que o governo búlgaro concordou, as autoridades alemãs fizeram uma tentativa de deportar Al H. -mas ele não foi encontrado, e permaneceu livre até cometer o atentado.
“É chocante que a deportação do terrorista de Solingen não foi bem-sucedida única e tão somente porque ele não foi encontrado na primeira tentativa”, disse o ministro da Justiça, Marco Buschmann –o novo pacote legislativo vai evitar que isso se repita, afirmou.
Outra mudança é a remoção do status de refugiado de qualquer pessoa que visite seu país de origem. “Se uma pessoa tira férias no seu país depois de nos ter dito que não pode viver lá, então ela precisa perder a proteção que recebe”, disse Buschmann. Exceções serão abertas para casos pontuais, e refugiados ucranianos não estão inclusos na nova regra.
Adultos e também menores de idade envolvidos com ataques a faca também terão o processo de deportação acelerado. Além disso, refugiados condenados de um crime serão deportados mesmo que venham de países oficialmente considerados pelo governo alemão como perigosos demais para que pessoas sejam enviadas de volta, como a Síria e o Afeganistão.
A coalizão governista vai proibir ainda o porte de facas em diversas situações, como em festivais de rua, eventos esportivos e estações de trem, e aumentar o financiamento das polícias para que haja mais fiscalização nesses lugares. Os requerimentos para obter uma arma de fogo ou artefatos explosivos também vão ficar mais rígidos.
A CDU (União Democrata-Cristã), principal partido da oposição, vem pressionando o governo a adotar medidas mais rígidas contra imigração desde o atentado de Solingen. O presidente da CDU e provável candidato a primeiro-ministro nas eleições de 2025, Friedrich Merz, ofereceu pessoalmente a Scholz apoio de seu partido a medidas ainda mais duras, como uma proibição total da entrada de refugiados da Síria ou do Afeganistão.
A proposta foi duramente criticada pelos Verdes, aliados de Scholz no governo, e foi interpretada por alguns analistas como uma tentativa de Merz de implodir a coalizão governista e se colocar em evidência em eventuais eleições antecipadas. Scholz recusou a oferta, e políticos do CDU criticaram o pacote apresentado nesta quinta, dizendo que seria “meramente simbólico” e que “não vai longe o bastante”.
Especialistas em imigração, por sua vez, lamentaram a aposta do governo em medidas mais duras de eficácia duvidosa.
“A imensa maioria dos refugiados na Alemanha tem seu status legalizado -e quase 80% daqueles que recebem uma ordem para deixar o país o fazem de maneira voluntária, sem que seja necessária a deportação”, disse o pesquisador da Universidade Humboldt Herbert Brücker ao jornal Zeit Online. “A Alemanha desperdiça sua boa reputação como país aberto a imigração com debates como esses.”
A discussão sobre novas leis de imigração ocorre dias antes de eleições regionais em dois estados do leste do país, a Turíngia e a Saxônia. Nos dois lugares, as pesquisas de opinião indicam que o partido de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha), que faz campanha com forte retórica anti-imigrantes, deve sair vitorioso.
VICTOR LACOMBE / Folhapress