Reforma de mercado histórico é pivô de nova crise sobre tombamentos em SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Privatizado no mesmo processo de concessão do Mercado Municipal, o centenário hortifruti Kinjo Yamato é a mais recente trincheira na batalha entre grupos com diferentes visões sobre a conservação da paisagem e prédios históricos da capital paulista.

Colegiado responsável por decidir quais intervenções podem ou não ocorrer em bens tombados na cidade, o Conpresp (Conselho do Patrimônio Histórico) reprovou em sua última reunião, em 19 de agosto, a reforma da fachada do mercado especializado em hortaliças que fica ao lado do Mercadão.

Após a decisão, contestada por setores da gestão Ricardo Nunes (MDB), dois integrantes do conselho deixaram suas cadeiras.

A votação terminou com cinco votos contrários e quatro favoráveis às alterações propostas pela concessionária, a Mercado SP.

O ponto de discordância é a substituição de janelas nas laterais do prédio entre as ruas Cantareira e Barão de Duprat. A intenção da empresa que administra o local é ampliar o acesso ao interior e instalar mesinhas na calçada para que frequentadores tomem café e lanches.

A discussão, porém, é mais profunda. A fachada do Kinjo Yamato faz parte de um decreto de tombamento que envolve todo o centro histórico paulistano. Descaracterizar esse prédio poderia significar um precedente para alterações em série em bens tombados.

Afirmando estar amparado pela legislação municipal e pela Carta de Veneza, documento internacional de 1964 para conservação e restauração de monumentos e sítios, o DPH (Departamento de Patrimônio Histórico do município) deu parecer contrário à reforma.

Com base no parecer do órgão, integrantes do conselho —representantes do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), da Smul (Secretaria Municipal de Urbanismo) e do próprio DPH— afirmaram que a troca dos peitoris das janelas por portas mudaria uma característica fundamental do prédio, que é ser um mercado voltado para dentro, em vez de aberto para a rua. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que tem cadeira no Conpresp, também votou contra.

É uma visão que contraria a posição do grupo composto por representantes da Câmara Municipal, do Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) e pelas secretarias de Cultura e de Justiça da gestão Nunes.

Nos dias seguintes à votação que indeferiu a reforma, o arquiteto Nelson Gonçalves de Lima Junior deixou o cargo de diretor do DPH, que é subordinado à pasta de Cultura da gestão Nunes. A Folha tentou contato com Lima Junior, mas ele preferiu não conversar com a reportagem.

Marília Barbour, advogada que foi secretária-adjunta de Cultura na gestão de João Doria (sem partido) e também curadora do acervo do Palácio dos Bandeirantes, assumiu o cargo de coordenadora do DPH.

Um recurso apresentado pela concessionária do Mercadão ainda será apreciado pelo Conpresp. Caso Marília mude o voto do DPH para favorável à reforma, alterações na fachada do Kinjo deverão ser autorizadas.

Após a troca no DPH, a representante dos arquitetos paulistanos no Conpresp, Stela Da Dalt, também pediu para deixar o conselho.

Ela disse que a sua saída após a discussão sobre o mercado não passou de coincidência, e que pretende se dedicar a projetos pessoais.

“Houve uma coincidência temporal da minha saída com essa polêmica que se criou no caso do mercado Kinjo”, disse a arquiteta.

Durante a reunião em que a reforma da fachada foi reprovada, Stela fez oposição às alterações e criticou a SP Regula, agência da gestão Nunes que faz a regulação das privatizações municipais, por apresentar um parecer contrariando o relatório do DPH.

Ao defender seu recurso, o presidente da Mercado SP, Aldo Bonametti, pretende propor mudanças menos radicais. Em vez da substituição de todas as janelas, pedirá a abertura de ao menos duas novas portas na rua Barão de Duprat.

Ele afirma que buscará consenso e que não pretende mudar características históricas do prédio. Também diz que não irá acabar com a predominância do comércio de hortaliças e frutas para dar lugar a uma praça de alimentação. “O que faremos é transformar o Kinjo no hortifruti mais charmoso de São Paulo”, diz.

Questionada pela reportagem se a mudança no DPH foi feita por descontentamento da gestão Nunes sobre o assunto, a Secretaria Municipal de Cultura não respondeu.

Em nota, a prefeitura afirmou que “a reforma do mercado Kinjo Yamato foi deliberada na 804ª reunião do Conpresp, realizada em 19/08/2024, e foi indeferida. Cabe recurso da decisão, bem como cabe a apresentação de novas propostas, que poderão ser oportunamente apreciadas”.

Tombamentos representam empecilhos para alguns modelos de empreendimentos que visam regiões valorizadas ou centrais da cidade de São Paulo. Representantes do mercado imobiliário manifestaram em diversas ocasiões dificuldades em atuar no centro devido à limitação do tamanho de edifícios impostos às áreas próximas a bens tombados.

O tema ganhou destaque durante a votação da revisão do Plano Diretor em 2023, quando a Câmara tentou criar regras para que os vereadores pudessem participar e acelerar decisões sobre tombamentos. Elas acabaram vetadas pelo prefeito.

Uma das saídas estimuladas pelo poder público municipal para a região central são os retrofits, que são modernizações internas dos edifícios. O próprio Kinjo teve restauros aprovados, como reparos no telhado, que também é tombado.

CLAYTON CASTELANI / Folhapress

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