Teatro que uniu Gil, Caetano, Bethânia, Gal e Tom Zé celebra 60 anos em Salvador

SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – “Somos todos amigos, apenas tentamos fazer a coisa da maneira mais bonita possível”, falou Gilberto Gil. “E se cantamos é porque achamos que toda pessoa, de algum modo, devia cantar”, afirmou Caetano Veloso. “Nós, por exemplo, acreditamos no carnaval”, disse Maria Bethânia.

Essas afirmações fazem parte do roteiro do show “Nós, por exemplo…”, apresentado no dia 22 de agosto de 1964, há 60 anos. O show foi um dos vários espetáculos de inauguração do teatro Vila Velha, em Salvador, que abrira suas portas ao público no dia 31 de julho daquele ano.

Foi no show “Nós, por exemplo…” que os novatos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa subiram juntos num palco pela primeira vez. “A benção, Tom Zé, irmão ausente e querido”, disseram no encerramento do show, quando cantaram a música “Samba da Benção” pedindo a bênção a amigos próximos e a grandes nomes da música brasileira.

Nos dias 7 e 8 de setembro de 1964, foi a vez de Tom Zé se juntar ao grupo para mais duas apresentações do “Nós, por exemplo…”, marcando a primeira vez em que os cinco estiveram juntos num palco.

“Eu me lembro do ambiente, com aquela movimentação de gente diferente na entrada do teatro. Eu estava muito deslumbrado. A luz estava baixa e havia muita informalidade no palco”, diz o administrador Mario Gordilho, que na época tinha 12 anos e assistiu ao show ao lado de Mariah Costa, mãe de Gal. “Em razão do meu fascínio por Gal, a mãe dela resolveu me levar para a estreia”, explica. “Tia Mariah era uma pessoa fantástica”.

Na época, Gal e Dona Mariah foram morar temporariamente na casa da tia de Gordilho, que morava ao lado. “Eu já tinha curiosidade sobre Gracinha [Gal Costa] porque ela tinha um comportamento e um círculo de amigos bem alternativo. E ela me deu alguma atenção, me ensinou os primeiros acordes no violão e a primeira música: ‘Casinha Pequenina’, de Sílvio Caldas”, conta Gordilho.

Atualmente em reforma, o teatro Vila Velha tem previsão de voltar a funcionar a tempo de seu próximo aniversário, em 2025. O teatro receberá equipamentos de ponta de som, vídeo, luz e cenotecnia.

As melhorias acontecerão também na acessibilidade, com a implementação de elevador, rampas, entradas e modificações em camarins, salas de ensaio e sanitários para atender aos padrões da legislação atual.

Também está previsto a criação de um sistema de libras e audiodescrição para os espetáculos, além da construção de uma parte administrativa.

Enquanto isso, no próximo dia 12 de setembro, a exposição “Vila Velha, por exemplo: 60 anos de um teatro do Brasil” será aberta no Museu de Arte Moderna da Bahia.

Uma parte da exposição será dedicada ao show “Nós, por exemplo…”, com a exibição de fotos nunca antes vistas dos futuros tropicalistas e doces bárbaros na época do show de estreia. A exposição ficará em cartaz até o dia 8 de dezembro.

“A gente optou, desde o título, por contextualizar a existência de um teatro no Brasil”, diz o diretor teatral Márcio Meirelles, gestor do Vila Velha. Com fotos, reportagens, documentos, cartazes, material gráfico, figurinos e vídeos, a exposição relembrará momentos importantes da história do Vila e suas convergências com os acontecimentos do país ao longo de seis décadas.

A exposição no MAM-BA é patrocinada pelo Centro Cultural Banco do Brasil, que instalará sede em Salvador, no palácio da Aclamação, ao lado do teatro Vila Velha. “Faz sentido a gente ir pro MAM porque dialoga com Lina Bo Bardi”, diz Meirelles.

Produzido e iluminado por Roberto Sant’Ana, que co-dirigiu o show com Gil e Caetano —e foi o criador do título do espetáculo—, o “Nós, por exemplo…” teve também a participação do pianista Perna Fróes, do percussionista Djalma Corrêa, do violonista Alcyvando Luz e do cantor e ator Fernando Lona.

O show foi gravado por Djalma Corrêa, mas o material até hoje nunca veio a público. A ideia de Djalma, morto em 2022, era fazer um documentário filmando a reação dos velhos companheiros ao ouvirem pela primeira vez o áudio do show que protagonizaram.

“As gravações foram feitas com um gravador colocado no palco por Djalma, então refletem o ambiente de palco. É um material muito rico e com grande potencialidade de uso”, diz José Caetano Corrêa, filho de Djalma e gestor de seu enorme acervo.

“É muito emocionante ouvir, principalmente porque o tempo se interpõe entre a origem daquele som e seu ouvido agora. É lindo, as vozes são lindas, a voz de Gal é uma coisa transparente. A potência da voz de Bethânia, o humor de Tom Zé, a juventude deles, das vozes”, destaca Márcio Meirelles, que recentemente ouviu a gravação.

O repertório do “Nós, por exemplo…” mesclou clássicos da música popular com canções autorais daqueles jovens compositores. “Djalma fez a primeira exibição pública de música eletrônica no Brasil com a peça ‘Bossa 2000 D.C.’”, diz José Caetano sobre a participação do pai no show.

“Tom Zé é o único que fala sobre a ditadura, e fala muito obliquamente”, conta Márcio Meirelles. Os shows em 7 e 8 de setembro de 1964 abriam e fechavam com “Marcha da Quarta-feira de Cinzas”, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes.

“Começar e acabar com ‘Marcha da Quarta-feira de Cinzas’ já era um discurso. Para a minha geração era uma música simbólica”, explica Meirelles, que completou 70 anos em maio.

“O show todo é muito bonito e significativo em relação ao momento que todo mundo estava passando, era o início da ditadura militar. São os registros da prática de estar junto ao público, falando ao público, tentando fornecer uma interpretação de mundo”, resume José Caetano.

LUCAS FRÓES / Folhapress

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