‘Estômago 2’ reinventa cult nacional em meio a alta de continuações brasileiras

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Já faz quase 20 anos que o cozinheiro Raimundo Nonato conquistou o público e a crítica com seus pratos inventivos dentro da cadeia. O filme “Estômago”, de Marcos Jorge, que ultrapassou a boa recepção de uma comédia para se tornar uma espécie de cult nacional, ganhou uma continuação.

“Estômago 2: O Poderoso Chef” venceu quatro kikitos no Festival de Gramado, onde teve a sua estreia, e o prêmio do júri popular. Ainda assim, dividiu a crítica, que em parte se empolgou com a inventividade de inserir a máfia italiana no roteiro e, por outro, não aprovou o tempo inferior de tela dado a Raimundo, vivido por João Miguel, que agora divide o protagonismo do filme com Dom Caroglio, mafioso italiano interpretado por Nicola Siri que chega a prisão.

Similar ao primeiro filme, a continuação se divide entre duas linhas do tempo. O presente, em que o clima na prisão azeda com a chegada do mafioso, e o passado de Dom Caroglio, todo filmado na Itália, que revela como o criminoso construiu sua reputação de mal-encarado até parar numa cadeia brasileira.

Raimundo, apelidado de Alecrim pelos companheiros prisioneiros devido ao seu talento culinário, cozinha para o diretor da cadeia e para o Etecétera, vivido por Paulo Miklos, agora um dos manda-chuvas do xadrez. Seus pratos elaborados continuam ganhando câmeras lentas de espaguetes de dar água na boca pulando sobre frigideiras, em oposição à decadência da prisão.

Alecrim será o estopim de um conflito entre Etecétera e Dom Caroglio, que disputam o cozinheiro. Assim como o seu protagonista, Marcos Jorge, o diretor, diz não gostar de servir comida requentada. Para a continuação de “Estômago”, ele queria “apresentar um prato diferente”.

É dai que veio a ideia de tornar o passado de Dom Caroglio e sua aproximação do crime como uma das linhas narrativas principais do filme. “Os jovens mafiosos de hoje na Itália assistem aos filmes do [Francis Ford] Coppola, Martin Scorsese e à séries como ‘Gomorra’ para entender como devem se portar. Esses personagens se constroem também no palco da vida”, diz Jorge.

Assim como Alecrim no primeiro filme, Dom Caroglio também está em busca de sua identidade —ou melhor, de dar certo na vida. Em crise no seu país de origem e filho da dona de um restaurante brasileiro, ele se apaixona pela filha do chefão da máfia local, que se apresenta sentado atrás de uma mesa luxuosa, com voz rouca e bem-vestido, em referência satírica à Marlon Brando em “O Poderoso Chefão”.

“Eu reivindico para o cinema brasileiro um direito que às vezes não nos damos, que é o de não ser realista, mas fantasioso. Surreal, como o cinema italiano é. Por que o Yorgos Lanthimos pode fazer um filme totalmente surrealista e a gente aceita porque é falado em inglês?”, questiona o diretor, referindo-se à produção de tom bizarro do grego, “Tipos de Gentileza”.

O filme também é de ação, com cenas de violência, rebelião e até explosões que não ficam devendo a produções estrangeiras. Resultado do aporte italiano no longa, uma coprodução entre Brasil e Itália.

“É uma coprodução de verdade, e não como a maioria de nossas coproduções, que chamo de ‘esmolafound’, quando os europeus colocam € 50 mil no filme e levam os direitos europeus. Queríamos um comprometimento da Europa”, diz Jorge.

“Estômago 2” estreia no momento de uma espécie de nostalgia cinematográfica, em que clássicos nacionais ganham continuações e reexibições nos cinemas. Exemplos são o anúncio de “Auto da Compadecida 2”, de Guel Arraes e Flávia Lacerda e a série de “Cidade de Deus”, dirigida por Aly Muritiba.

“A série de ‘Cidade de Deus’ é luxuosa também. Estamos conseguindo fazer um cinema da alta qualidade técnica, por que não usar nossas franquias?”, diz Jorge. Segundo ele, o primeiro “Estômago”, quando lançado entre 2007 e 2008, não foi um sucesso imediato.

“Tínhamos 13 cópias e pouquíssima grana, mas o filme ficou seis meses em cartaz em alguns cinemas, porque o público embarcou na história”, lembra. O longa foi premiado no Festival do Rio daquele ano, e Jorge venceu o prêmio Grande Otelo de melhor direção, contra Walter Salles, que apresentava “Linha de Passe”, e Fernando Meirelles, com “Ensaio Sobre a Cegueira”.

“Estômago”, porém, se tornou cultuado pelas novas gerações depois que entrou na plataforma de streaming da Netflix. “É um indício do amadurecimento do cinema brasileiro, que começa a fazer sequências de seus clássicos”, diz Jorge. “Existem sucessos imediatos, como ‘Tropa de Elite’, mas outros filmes demoram para amadurecer.”

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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