SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil integra um estudo mundial para testar a eficácia de uma injeção de lenacapavir que, aplicada a cada seis meses, fornece melhor proteção contra a infecção por HIV, em comparação com os medicamentos preventivos orais de uso padrão para a Prep (profilaxia pré-exposição).
A Argentina, o México, o Peru, a África do Sul, a Tailândia e os Estados Unidos também participam dos testes.
Dos 3.700 participantes, 1.100 são brasileiros. A pesquisa envolve homens que fazem sexo com homens engajados em atividades de alto risco para adquirir HIV e mulheres trans. Uma análise interina dos dados deverá ser divulgada em breve.
Segundo Ricardo Diaz, pesquisador e professor da disciplina de Infectologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o Brasil foi o país que mais incluiu pessoas no estudo. “Vamos ter uma experiência, uma amostragem brasileira muito sólida na estratégia de usar os medicamentos subcutâneos”, disse.
O assunto é abordado no 14º Congresso Paulista de Infectologia, promovido pela SPI (Sociedade Paulista de Infectologia), que acontece até este sábado (31), no Centro de Convenções Frei Caneca, em São Paulo.
Fabricada pela Gilead Sciences, numa fase anterior, a medicação foi testada num estudo feito com 5.338 adolescentes e mulheres jovens, de 16 a 25 anos, na Uganda e na África do Sul.
O ensaio mostrou que a injeção de lenacapavir ofereceu 100% de proteção contra o HIV, em relação a dois outros medicamentos -entricitabina + tenofovir alafenamida (descovy) e o entricitabina + fumarato de tenofovir desoproxila (truvada).
Dos dois utilizados no estudo, apenas o truvada é dispensado pelo SUS (Sistema Único de Saúde). É um medicamento usado como Prep.
Nenhuma das 2.134 mulheres que receberam lenacapavir contraiu HIV. Em comparação, 16 das 1.068 mulheres (ou 1,5%) que tomaram truvada e 39 das 2.136 mulheres (1,8%) que receberam descovy foram infectadas.
Em razão da eficácia, o estudo foi interrompido prematuramente. De acordo com o pesquisador, o mesmo pode acontecer no ensaio atual.
O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) disse em comunicado que o medicamento oferece esperança de acelerar os esforços para acabar com a Aids como ameaça à saúde pública até 2030 -a faz parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU-, se a farmacêutica garantir o acesso a todos que necessitarem do tratamento.
PREVENÇÃO DO HIV
Diaz afirma que ninguém conseguiu prevenir o HIV com mudança de comportamento quando solicitado o uso do preservativo.
“Surgiu um conceito novo no HIV sobre estratégias biomédicas da prevenção. Uma delas seria uma vacina preventiva. Nunca tivemos vacina preventiva e os últimos dados, que foram apresentados no Congresso da Sociedade Internacional de Aids, mostraram que usar a vacina até aumentou a chance de você adquirir o HIV. Então é um desafio fenomenal”, afirma.
O que mudou a incidência do HIV, ou seja, a quantidade de casos novos, foi o uso de medicamentos preventivos, a Prep. Houve uma diminuição de casos novos de HIV em vários lugares do mundo como, por exemplo, São Francisco, na Califórnia, em Nova York, em Londres, na Austrália e em São Paulo também.
“Em São Paulo, a gente enxerga que nos últimos anos diminuíram os casos novos de HIV, mas aqui existe uma desigualdade, porque só aconteceu entre homens brancos. Então, provamos um conceito de que você pode diminuir a chance de pegar HIV tomando medicamentos de forma contínua, antes de uma exposição, uma relação sexual, e continua depois.”
“Inicialmente, os estudos foram feitos com comprimidos, com uma parte do coquetel. E aí começamos a evoluir nessa estratégia, fazendo com que você possa ter medicamentos de ação longa para prevenir a infecção pelo HIV, desde tomar um comprimido todos os dias até uma injeção no músculo a cada dois meses, que provou ser mais eficaz”, diz o professor.
Agora, a injeção de lenacapavir é promissora e mais um passo para a vida num mundo sem HIV/Aids.
“A forma melhor de se lidar com HIV é a prevenção. Então, se quisermos viver num mundo sem HIV, teremos que começar a prevenir essa infecção de forma efetiva. A melhor forma de Prep parece são os injetáveis”, comenta.
PATRÍCIA PASQUINI / Folhapress