Maiores favelas de SP continuam isoladas por serviços de carro por aplicativo

(FOLHAPRESS) – Quatro a cada dez brasileiros utilizam serviços de mobilidade e 8 a cada 10 entrevistados afirmam que sua vida melhorou com eles. É o que mostrou a pesquisa Mobilidade, a opinião da população sobre os impactos dos aplicativos nos dez anos da Uber no Brasil, feita pelo Datafolha em abril deste ano.

Para moradores de Heliópolis e Paraisópolis, as duas maiores favelas da cidade de São Paulo, isso ainda não é realidade, mesmo após tentativas de melhorias na última década.

“Às vezes é muito melhor você falar com algum conhecido ali de dentro do bairro mesmo para alguma ajuda, alguma emergência, do que pedir carro de aplicativo”, afirma Vitória Vieira, 22, moradora de Paraisópolis, na zona sul.

Em 2019, a própria Uber lançou a iniciativa Pontos de Encontro, a fim de ampliar o acesso dos moradores de comunidades ao serviço do aplicativo. Os pontos ficam em endereços conhecidos entre a população local, como lanchonetes, igrejas, postos de saúde e comércios, e funcionam como opções para facilitar o embarque e desembarque dos passageiros.

A primeira versão foi realizada em Heliópolis, a maior favela de São Paulo, com 200 mil habitantes, localizada no distrito do Sacomã, zona sul da cidade. Apesar de ocupar cerca de 1 milhão de metros quadrados, os pontos de encontro disponibilizados pela Uber atendem apenas no entorno do bairro.

“Se tiver uma emergência, esquece, não tem muito o que fazer”, conta Ozéias Santos, 36, morador de Heliópolis há 24 anos. “Se for sair de casa e utilizar o aplicativo, tem que tentar pedir com pelo menos meia hora de antecedência porque haverá vários cancelamentos dos motoristas mesmo com esses pontos fixos”, diz.

O site oficial da Uber indica que ao redor de Heliópolis existem sete pontos de encontro e, com a configuração atual do serviço, uma pessoa que mora no meio da comunidade levaria cerca de dez minutos caminhando até um desses locais.

A falta de informação também é uma crítica feita por moradores. “Se você chega em um ponto da Uber hoje através do mapa, não tem sinalização nenhuma, não tem nada escrito. As pessoas que vêm de fora querem utilizar o aplicativo aqui em Heliópolis ficam totalmente perdidas”, afirma Ozéias.

Em Paraisópolis, a situação é parecida. Para embarcar, é preciso sair da favela e ir até as vias que dão acesso ao bairro do Morumbi, como a avenida Hebe Camargo e a avenida Giovanni Gronchi. “Quem conhece a região não recusa as viagens, mas várias vezes eu tive que ir até a avenida Giovanni Gronchi para conseguir um carro de aplicativo”, relata Vitória.

Ex-motorista de carro por aplicativo, Saulo Matos, 29, relata que os próprios condutores conversam entre si para evitar regiões de periferia que consideram perigosas. Ele participava de um grupo de WhatsApp com colegas. “Tem motoristas de todos os cantos e lá mesmo você já ficava sabendo de muita coisa. Os caras mandavam uns avisos dizendo ‘Não vai entrar no canto que tá complicado'”, explica.

O auxiliar de cozinha Glaison Ribeiro, 22, já teve dificuldades na volta para casa após o trabalho. “Eram 2h e tive que chamar o carro. Tentei três vezes e os dois primeiros recusaram. O terceiro aceitou, mas questionou onde eu ia descer. Disse que não fazia corrida em Paraisópolis, mas como o valor da corrida era um tanto alto, ele aceitou”, conta o morador.

Em nota, a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), representante das empresas que prestam serviços de transporte por aplicativo, como 99 e Uber, diz que “as empresas possuem diretrizes de atuação para os motoristas parceiros que proíbem qualquer prática discriminatória contra usuários baseada no local de destino ou origem, assim como em relação a gênero, raça, orientação sexual ou idade”.

Questionada sobre o projeto Pontos de Encontro da Uber e sobre as dificuldades enfrentadas pelos moradores das periferias, acrescenta que “em determinadas localidades, [as empresas] estabelecem pontos de embarque e desembarque para melhorar a experiência dos usuários e que possuem canais abertos de comunicação para que melhorias possam ser implementadas”.

A assessoria da Uber argumenta que os motoristas parceiros são independentes e têm autonomia para decidir quando ficar online e também quando aceitar ou recusar viagens. Afirma ainda que a missão da empresa é conectar pessoas a um transporte acessível e confiável.

“Para aumentar a segurança de motoristas parceiros e usuários, a Uber conta com uma tecnologia de ‘machine learning’ que ajuda a identificar riscos com base na análise dos dados das milhões de viagens já realizadas por meio do aplicativo. A ferramenta bloqueia as viagens consideradas potencialmente mais arriscadas, a menos que o usuário forneça detalhes adicionais de identificação”, explica.

Em nota, a 99 afirma que não bloqueia regiões específicas das cidades e que os condutores recebem notificações sobre locais considerados de maior risco que têm como base os dados da Secretaria da Segurança Pública e informações internas do aplicativo.

“Os mapeamentos dessas áreas são dinâmicos e passam por constantes revisões e atualizações. O zoneamento não é fixo e varia conforme notificações e levantamentos sazonais, como, por exemplo, horário do dia. Vale destacar que, segundo dados internos da 99, a taxa de cancelamento de corridas por motoristas em zonas de risco e em outras regiões da cidade tem índices muito semelhantes —e acompanhamos esses números com cuidado”.

A empresa acrescenta que trabalha com transparência e possui uma política de tolerância zero a qualquer tipo de discriminação, seja ela de raça, gênero, religião, orientação sexual, idade, classe social ou local de moradia.

LEONARDO ALMEIDA / Folhapress

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