Acidentes de trânsito têm grande influência na formação do time paralímpico brasileiro

PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Uma carreta colidiu com o ônibus em que Thiago estava viajando. Pela má sinalização da pista, o carro em que Nurya estava, sentada no banco do passageiro a caminho da formatura, bateu em um barranco. Uma Kombi atropelou Wescley na calçada, quando ele tinha 16 anos. Wellington pilotava uma moto e passava pelo corredor de ônibus quando um carro o atropelou. Pamela também foi atropelada: estava de bicicleta indo ao trabalho, mas um veículo não observou a sinalização e acertou sua perna.

Além dos acidentes de trânsito, Thiago, Nurya, Wescley, Wellington e Pamela têm algo em comum. Todos integram as seleções brasileiras de vôlei sentado nos Jogos Paralímpicos de Paris.

“O trânsito, em geral, é o maior fornecedor de atletas do vôlei sentado brasileiro”, disse o técnico Agtônio Guedes, da seleção masculina. A frase, que poderia ser apenas uma ironia de gosto duvidoso, é reflexo de uma dura realidade.

De acordo com dados do relatório de 2023 sobre “road safety” (“segurança na estrada”) da OMS (Organização Mundial de Saúde), o Brasil é um dos países que mais matam no trânsito. É o terceiro do ranking, atrás de Índia e China. Os números, referentes a 2022, contabilizam 31.174 óbitos. Os motociclistas são as principais vítimas.

Todos esses países têm boas performances nos Jogos Paralímpicos. A China ganhou 207 medalhas em Tóquio-2020, líder disparada; o Brasil, com 72, teve sua melhor performance. Os 19 pódios da Índia também representam bem mais que os sete obtidos na correspondente edição olímpica convencional.

E não é só o vôlei sentado que recebe amputados ou com danos permanentes causados por acidentes no trânsito. O péssimo comportamento do brasileiro nas estradas contribui também para atletas paralímpicos no atletismo, na canoagem, no ciclismo, na esgrima, no halterofilismo, na natação, no remo, no tênis de mesa, no tiro com arco e no triatlo.

De acordo com o CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro), dos 255 paratletas da delegação, 46 têm deficiências decorrentes de acidentes de trânsito. O número só é menor do que os 89 com doenças congênitas. O top 3 inclui 22 atletas com deficiências que foram adquiridas no parto ou na fase neonatal.

Diferentemente dos atletas sem deficiência, ou de paratletas com problemas congênitos, os acidentados acabam encontrando o esporte paralímpico mais tarde, evidentemente.

A formatura que Nurya perdeu por causa do acidente era justamente de educação física, em março de 2012. “A pancada quebrou minha coluna e lesionou a medula. Saí dali na maca, à qual fiquei amarrada até o dia da cirurgia, cinco dias depois”, contou. No ano seguinte, usava andador, quando sua fisioterapeuta indicou que ela comprasse uma órtese.

“Na loja havia pessoas com conhecimento em esporte paralímpico. Fui convidada a conhecer o vôlei sentado em agosto de 2013 e não saí mais do esporte”, lembrou a atleta, que antes do acidente jogava futebol e hoje é dona de dois bronzes paralímpicos.

Thiago é um raro caso de atleta acidentado que começou na modalidade ainda na infância. Vítima do acidente com uma carreta aos seis anos, acabou entrando no esporte aos dez. “Conheci o esporte paralímpico pelo convite de um amigo de São Paulo”, disse o paratleta, que começou no Sesi-SP.

Em São Paulo, de acordo com números do anuário de 2023 elaborado pelo DER (Departamento de Estradas e Rodagem), 662 pessoas morreram em acidentes de trânsito, número que recupera o patamar pré-pandemia de Covid-19.

Outro dado ligado ao trânsito em duas rodas mostra que a taxa de internação de motociclistas lesionados em acidentes no Brasil aumentou 55% em uma década. Em 2011, foram 70,5 mil hospitalizados, ou 3,9 a cada 10 mil habitantes. Em 2021, o número de hospitalizados aumentou para 115,7 mil, ou 6,1 a cada 10 mil habitantes—os dados são do SUS (Sistema Único de Saúde).

“Meu acidente de moto foi em 2005, em Osasco, perto da minha residência. Minha perna foi amputada abaixo do joelho”, recordou Wellington, 39. “Demorei aproximadamente cinco meses, graças a Deus, para conhecer o esporte paralímpico, com outro atleta paralímpico que me chamou para praticar a modalidade.”

Em Paris, o vôlei sentado brasileiro é representado por 12 atletas no masculino e 12 no feminino; com oito acidentados no trânsito entre os homens (66,6%) e seis entre as mulheres (50%).

SANDRO MACEDO / Folhapress

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