Pará teve salto no Ideb no ano em que melhorou desempenho escolar e mudou regra de aprovação

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No mesmo ano em que o Pará registrou um salto histórico no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), em 2023, o governo Helder Barbalho (MDB) alterou o modelo de aprovação dos alunos e registrou queda nas matrículas do ensino médio.

Na progressão continuada, aplicada nas escolas estaduais paraenses, os estudantes não podem ser reprovados a cada série, mas ao final de ciclos de dois ou três anos. O mecanismo é utilizado em outros estados brasileiros como tentativa de reduzir a evasão escolar.

O percentual de estudantes aprovados tem grande interferência no Ideb, cujo cálculo combina taxa de aprovação com a nota dos alunos em uma prova de matemática e português, o Saeb, aplicada pelo MEC (Ministério da Educação).

A rede estadual do Pará teve no Ideb 2023 o maior avanço do país para o ensino médio. A média das escolas passou de 3 pontos, em 2021, para 4,3, em 2023. Assim, o estado saltou da 26ª posição (penúltima) para a 6ª entre as unidades da federação.

O Pará avançou nos dois quesitos avaliados pelo Ideb, nota e aprovação. Considerando apenas o desempenho dos estudantes no Saeb, o Pará foi também o estado que mais avançou no ensino médio. A média passou de 3,98 para 4,31 —o que o coloca na 16ª posição.

Mas a mudança mais expressiva ocorreu no outro quesito. No Ideb anterior, de 2021, a aprovação no ensino médio foi 71%. Em 2023, com a progressão continuada, passou para 99%.

A Secretaria Estadual de Educação, comandada pelo ex-ministro Rossieli Soares, substituiu no ano passado o regime de séries pelo ciclos (progressão continuada). Agora, reprovação só acontece em cinco dos 12 anos da educação básica. No ensino médio, por exemplo, os alunos só podem ser reprovados no 3º ano.

Com a mudança, o Pará registrou que 100% dos alunos foram aprovados no 1º e 2º anos do ensino médio, taxa nunca antes alcançada por nenhum dos estados desde que o Ideb começou a ser feito, em 2005. No 3º ano, a aprovação foi de 96% dos alunos.

Em outras redes que adotam o modelo de progressão continuada, normalmente a regra é aplicada apenas para o desempenho, e alunos que não tenham frequência mínima de 75% do ano letivo são reprovados –esse é o percentual definido pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).

Para se ter uma ideia, se o Pará, mesmo com a melhora do desempenho, tivesse mantido a taxa de aprovados anterior, em vez de 4,3 pontos, teria alcançado média de 3,4 –0,4 ponto a mais do que em 2021. Dessa forma, teria aparecido na antepenúltima colocação entre os estados.

Ernesto Faria, diretor do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), diz que a decisão de aprovar aqueles que não têm frequência escolar mínima faz com que os estudantes com maior risco de evadir da escola fiquem invisíveis nos registros oficiais.

“É positivo o esforço de minimizar a reprovação, mas a política de aprovação do Pará não promove isso. O que estão fazendo é produzir um dado que não reflete isso, mas uma nova interpretação do que deve ser contabilizado como aprovação. Se o aluno faltou muito no 1º ano, pode ser que ele nem volte para o próximo e isso não aparece nos registros oficiais para que sejam feitas ações para trazê-lo para a escola.”

O secretário de Educação do Pará afirma que a taxa de 100% de aprovação tem a ver com a política de ciclos. Ele defendeu o mecanismo como forma de reduzir a evasão escolar e disse que o aluno pode recuperar as faltas ao longo dos ciclos. Avalia, porém, que o Ideb “mostra muito pouco” e deveria ser rediscutido no país.

Há anos, especialistas sugerem que o indicador seja reformulado, já que ele não capta práticas que podem aprofundar as desigualdades educacionais. A taxa de aprovação, por exemplo, só considera o aluno que abandonou o estudo no meio do ano letivo. O aluno que evade (ou seja, não continua a estudar no ano seguinte) não entra na conta.

Reynaldo Fernandes, professor de economia da USP de Ribeirão Preto e ex-presidente do Inep, órgão responsável pelo Ideb, explica a lógica desse critério, que teria o objetivo de equilibrar a equação entre aprovação e desempenho.

“Por um lado, a taxa de aprovação alta é positiva na equação da nota do Ideb. Mas, por outro, aprovar todos os alunos faz com que aqueles com maior dificuldade não sejam retidos e façam a prova do Saeb [do MEC], o que pode reduzir a nota”, explica, sem comentar especificamente ao caso do Pará.

Em nota, o MEC disse que o Ideb avalia o ensino do país de forma equilibrada. “A estatística do indicador reflete a realidade e não pode estabelecer limites às ações de gestão.”

QUEDA DE MATRÍCULAS

Além da taxa de aprovação recorde, o Pará registrou ainda uma queda atípica do número de matrículas do ensino médio em relação a outros estados. De 2022 para 2023, as escolas paraenses tiveram recuo de 13,5% dos estudantes nessa etapa de ensino, de 330,7 mil para 285,9 mil. Já no Brasil, essa redução foi de 3%.

Paralelamente, houve alta no número de matrículas da EJA (Educação de Jovens Adultos), programa para pessoas que não concluíram o ensino na idade certa. Esses estudantes não são avaliados no Ideb.

No Pará, as matrículas da EJA em 2023 cresceram mais de 45% no ensino médio em relação a 2022. Passaram de 27,4 mil para 40,4 mil. Considerando o ensino fundamental e o ensino médio, a EJA do Pará cresceu 31%, um movimento contrário ao que tem sido registrado no restante do país, em que houve um recuo de 11,8% na modalidade.

Segundo a Secretaria de Educação, a queda no número de matrículas se deve principalmente à reorganização do sistema. Das quase 45 mil matrículas a menos, afirmou a pasta, 34,4 mil se referem a matrículas em duplicidade e a estudantes que nunca compareceram à escola ao longo do 1º bimestre.

A reportagem conversou com três estudantes que têm entre 18 e 19 anos e estão matriculados no 3º ano do ensino médio na EJA, no período vespertino. João Victor Nascimento Varela, 19, da Escola Estadual Dom Pedro 1º, em Belém, fez o 2º ano matutino e, na matrícula para o 3º ano, pediu para ser transferido para o noturno porque precisava trabalhar. Não há turmas no período noturno na escola, e ele foi matriculado na EJA.

Sua matrícula foi para o horário vespertino, porque as turmas da EJA noturnas na escola foram encerradas. O estudante cursou a EJA no primeiro semestre deste ano, até conseguir reverter a matrícula para o 3º ano regular no segundo semestre. “EJA pode ser bom para pessoas mais velhas que querem se formar logo, mas não é para quem pretende fazer uma faculdade”, diz ele, que quer cursar história.

Dados do Censo Escolar mostram que o número de adolescentes matriculados na EJA cresceu no Pará entre 2022 e 2023. Entre os jovens de 15 a 17 anos, idade em que deveriam estudar no ensino regular, as matrículas na EJA cresceram 30%. Entre os estudantes de 18 a 19 anos, as matrículas quase dobraram no período, passando de 8.850 para 17.184.

A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) também mostra que o Pará registrou, entre esses dois anos, um aumento de jovens fora da escola. O percentual de adolescentes de 15 a 17 anos que não estudam passou de 8,7% para 11,5%

O governo paraense afirmou que o estado teve um reingresso de mais de 8.300 alunos no ensino médio em 2023. O avanço da EJA, segundo a secretaria, foi uma política pública para dar oportunidade para quem não teve como estudar ou estava muito atrasado na escola, e que alunos do 2º ano não foram matriculados na modalidade a não ser que isso tenha sido pedido por eles ou por seus responsáveis.

Yara de Carvalho, 18, presidente da União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas (Umes) de Belém, considera um avanço a transferência dos mais velhos para a EJA. Ela conta que, quando cursou o 1º ano do médio, em 2021, havia alunos de mais de 18 anos em sua sala. A partir do 2º, de acordo com Yara, esses estudantes passaram a migrar para a EJA. “Foi bom para eles, que puderam se recuperar do atraso, e para o restante da turma, porque havia menos alunos atrasados no aprendizado.”

Para a estudante, houve de fato um investimento maior do estado na educação recentemente, “com a melhora da infraestrutura de escolas, contratação de professores e incentivo a cursinhos populares de preparação para o vestibular”. Ela lembra que, quando estava no 2º ano, em 2022, sua turma ficou sem professor de língua portuguesa desde o início do ano letivo até outubro. No 3º ano, em 2023, teve dois professores dessa disciplina, um de gramática e um de literatura.

ISABELA PALHARES E LAURA MATTOS / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS