BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo do Brasil limitou o número de credenciais para a sociedade civil representantes de ONGs, setores produtivos e da indústria, academia e movimentos sociais dentro de sua delegação oficial na COP29, conferência do clima que acontecerá no final deste ano no Azerbaijão.
Isso atende a pedido da ONU (Organização das Nações Unidas), segundo relataram reservadamente à reportagem três negociadores.
A visão do organismo internacional é que a conferência de Dubai (Emirados Árabes), no ano passado, teve participantes em excesso: mais de 80 mil, um recorde. Só a delegação o Brasil na COP28 teve quase 2.400 nomes, a maior da história, sendo 1.800 da sociedade civil.
Para Baku (Azerbaijão), o governo brasileiro credenciará até 1.000 pessoas da sociedade civil, uma por entidade salvo exceções.
A credencial de delegado é distribuída pelos governos. Ela dá mais acesso para acompanhar algumas das negociações. No Brasil, adotou-se a prática de distribuir crachás do governo para entidades da sociedade civil.
Mesmo assim, as principais discussões ocorrem a portas fechadas e limitadas a agentes oficiais dos governos.
Com a redução, o Itamaraty tenta garantir outros meios de participação. Os representantes da sociedade civil deverão dar preferência ao crachá de observador, que tem menos acesso e é concedido pelas Nações Unidas.
Procurada pela reportagem, a ONU não respondeu. O Itamaraty disse que realiza reuniões com a sociedade civil e que apoia a criação de espaços institucionais de participação e o aumento no número de observadores.
“A limitação do número de representantes por entidade buscou, ao mesmo tempo, atender à demanda de participação da sociedade civil e movimentos sociais e adequar a delegação brasileira às normas e costumes da Convenção [do Clima da ONU]”, disse a pasta, em nota.
Representantes da sociedade civil ouvidos pela reportagem entendem que a medida não deve ter grande impacto para Baku, uma vez que a ONU revisou seus critérios e tem distribuído mais credenciais de observadores.
Eles veem com apreensão, no entanto, as perspectivas para a COP30, em Belém, que tem sido questionada por sua pequena estrutura logística para receber um evento dessa magnitude.
“Credenciar 1.000 pessoas não é um problema, mas o governo tem que cuidar para não privilegiar setores que claramente vão com interesses comerciais e até contrários à agenda climática”, afirma Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima.
“Seria importante que o sistema fosse reformulado para garantir pelo menos um espaço de fala dos observadores”, diz.
A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) contratou uma consultoria para auxiliar no registro de entidades indígenas, mas tenta contornar o problema de não ter registro de CNPJ, uma exigência da ONU.
A participação recorde da sociedade civil em Dubai foi um aceno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que comparecia à sua primeira COP no novo mandato. Durante os quatro anos do governo Bolsonaro, a sociedade civil ficou fora das delegações oficiais do Brasil.
“O Itamaraty apresenta a boa vontade de nos incluir, mas o crachá não é garantia de transparência. Na hora que as negociações acontecem, as portas se fecham, e a participação social é fictícia, independentemente de crachá”, diz Camila Jardim, analista de política internacional do Greenpeace Brasil.
“Quando os espaços se fecham, ainda existem grupos com fácil acesso aos políticos, o lobby. Quem deixa de ter acesso são os grupos que mais precisam estar lá”, completa.
O Itamaraty afirma que nenhum setor será privilegiado. “Serão contempladas como prioritárias as solicitações de organizações com mais ampla base de representação social e participação em conselhos ou comissões nacionais, assim como critérios de paridade de gênero, raça, distribuição regional e de afinidade de atuação em relação aos principais temas da COP29”, disse a pasta.
Espera-se participação forte da sociedade civil na COP no Brasil, em 2025, que irá revisar o Acordo de Paris.
Para a conferência de Baku, são esperadas cerca de 50 mil pessoas, enquanto em Belém o governo brasileiro quer reduzir o número para 30 mil.
O Itamaraty tem pedido à ONU que o registro de observador seja facilitado, sobretudo aos integrantes da América Latina e do chamado Sul Global. Já a Apib pleiteia a criação de uma credencial específica para indígenas.
“A COP30 é vista como a COP sem cabresto, sem restrições. As últimas edições impediram manifestações de movimentos sociais dentro dos espaços oficiais”, diz Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Abip.
Para Belém, movimentos sociais preveem atos e eventos extraoficiais, como a Cúpula dos Povos.
“Existe uma sensação de déficit democrático. Queremos pautar as discussões, e queremos espaço para isso”, diz Jardim.
JOÃO GABRIEL / Folhapress