Bob Wolfenson retrata a moda como uma fábula melancólica em exposição

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Fernanda Montenegro caminha na orla de Ipanema, postura relaxada, expressão serena. Quem olha assim pode até achar que a fotografia é despretensiosa, feita sem esforço, mas isso seria um engano. Para capturar o momento, Bob Wolfenson fez a atriz repetir a cena ao menos dez vezes, como se a sessão de fotos fosse o ensaio de uma peça, e ele, o diretor do espetáculo.

“Fotografia de moda é uma ficção e um exercício de dramatização teatral. Assim como uma peça, é preciso ensaiar dezenas de vezes. Por meio da moda, eu construo histórias e fábulas”, diz Wolfenson, que comemora 70 anos neste domingo e agora expõe essas narrativas na mostra “Instante Construído”, na galeria Mario Cohen, na zona oeste da capital paulista.

O título da exposição, aliás, deixa claro que a aparente espontaneidade dos ensaios de moda é um produto fabricado. “E quanto menos isso for perceptível, melhor”, diz ele, para quem a fotografia é uma meia verdade. “Acho uma balela essa busca pela pureza. Ao fotografar, a gente faz seleções e exclusões. A câmera não consegue conter toda a realidade.”

A mostra traz 33 imagens de nomes como Gisele Bündchen, Vera Fischer e Alessandra Negrini feitas para revistas de moda e para a Playboy. Embora sejam de diferentes períodos, a maioria delas têm em comum uma certa melancolia.

“Poucas imagens têm pessoas sorrindo”, diz Mario Cohen, curador da exposição. “Não é tristeza, mas um ar mais reflexivo. É um traço que está por trás de quase todo o trabalho, independentemente do que ele esteja fotografando.”

Exemplo disso é uma fotografia feita para a revista Elle, em 2010. Na obra, a modelo veste roupas que remetem aos anos 1950 e está encarando o próprio reflexo no espelho de um banheiro. O cenário é de grande beleza estética, mas de enorme isolamento emocional.

“É quase como se não houvesse escapatória. É um momento de muita rarefação atmosférica”, diz Wolfenson.

Para fazer essa foto, o fotógrafo se inspirou no filme “As Horas”, de Stephen Daldry. Lançado em 2002, o longa entrelaça os dramas vividos por três mulheres, dentre elas Virginia Woolf, escritora inglesa que se suicidou aos 59 anos.

“Eu sou uma pessoa muito extrovertida, mas o meu trabalho carrega essa melancolia que provavelmente deve estar dentro de mim de alguma forma”, diz ele, acrescentando que as obras guardam vestígios de sua personalidade.

“Isso está presente em todo trabalho que é visceral e que você ama fazer. Muitas vezes, eu estava sob encomenda de alguém, mas tinha um mantra na cabeça: ‘seja artista o tempo todo, mesmo que a fotografia seja a de um parafuso.'”

Para o fotógrafo, esse aspecto mais autoral de sua produção fez com que as obras sobrevivessem à passagem dos anos.

“Se a fotografia permanece é porque ela diz alguma coisa. É como se elas fossem a crônica de uma época por mostrar os gostos e o comportamento desse período.”

Além de ser um reflexo de sua personalidade, as imagens espelham também a origem de Wolfenson. Nascido na capital paulista, o fotógrafo faz de espaços urbanos cenários recorrentes de seus ensaios.

Em uma das fotografias da exposição, vemos uma modelo de salto alto, collant preto e peruca loira na saída de um túnel de São Paulo. Em outra imagem, a fotografada desfila no meio do trânsito de Chiang Mai, na Tailândia, ao lado de quatro motocicletas. “O meu trabalho é de fato bem paulistano, urbano e cosmopolita.”

Em 2004, São Paulo esteve em evidência na exposição “Antifachada/Encadernação Dourada”, realizada no Museu de Arte Brasileira da Faap, a Fundação Armando Alvares Penteado.

Ao longo de nove meses, ele fotografou detalhes de edifícios da cidade, como o Viadutos, projetado por Artacho Jurado, e o Copan, de Oscar Niemeyer -fotografia que se tornou paradigmática ao mostrar os fundos do edifício modernista.

“É uma imagem muito forte e reconhecível, tanto que é a fotografia que eu mais vendi até hoje”, diz Wolfenson, que considera a exposição um divisor de águas em sua carreira. Até aquele momento, ele era associado à parte comercial da fotografia, e não tanto aos aspectos conceituais da profissão.

“‘Antifachadas’ foi tão pujante que a galeria Millan me convidou para ser membro e passei a frequentar um mundo em que eu não era aceito”, afirma o fotógrafo. “Isso não era dito para mim, mas você percebe quando faz parte de um outro mundo.”

A partir daí, ele começou a desenvolver projetos mais conceituais em paralelo aos trabalhos voltados ao mercado. “Hoje em dia, não tenho mais essa dicotomia. Eu junto tudo.”

Ele também tem ministrado workshops, como o que realizará a partir de quarta-feira (11), no Peru. Durante uma semana, o fotógrafo irá compartilhar técnicas sobre o ofício aos alunos, que colocarão em prática o aprendizado registrando as paisagens do país andino. “É um convívio fotográfico, uma experiência que eu nunca tinha feito.”

Além das fotos de moda, Wolfenson se notabilizou pelos retratos de grandes nomes da cultura brasileira, como João Cabral de Melo Neto, Pelé, Chico Buarque e Caetano Veloso. No retrato célebre do baiano, Caetano está com uma das sobrancelhas arqueadas em uma expressão que pode ser tanto de espanto quanto de julgamento. É uma fotografia que destoa das outras imagens públicas do artista.

“Eu não quero fazer algo chapa branca. Nem sempre consigo, mas procuro imagens que não sejam controladas pela pessoa.” No entanto, esse é um processo que depende da interação com o fotografado. “O retrato obedece à natureza dos encontros. Você tem o seu roteiro, mas o outro é um sujeito ativo.”

A sessão de fotos, portanto, envolve mediar interesses pessoais, as demandas do fotografado e as exigências de quem encomendou a imagem. “É um campo de força com o qual eu preciso lidar, mas talvez seja nessa tensão que esteja alguma coisa intrigante sobre o meu trabalho.”

Wolfenson começou na profissão com 16 anos fazendo retratos. Depois que se formou em ciências sociais pela Universidade de São Paulo, mudou-se para Nova York, onde foi assistente do fotógrafo Bill King.

Ao voltar para o Brasil, conquistou espaço no mercado de moda, mas não deixou de lado os retratos. Ele, porém, não se define como retratista por gostar de transitar entre várias vertentes.

“Nunca fui uma coisa só. Não me alinhei a correntes de fotografia nem a ativismos fotográficos porque sempre fui muito independente”, diz Wolfenson. “Eu não poderia ser o profissional que sou hoje sem todos os outros fotógrafos que me habitam.”

INSTANTE CONSTRUÍDO

Quando Ter a sex, das 11h às 19h; aos sáb, das 11h às 17h. Até 10 de outubro

Onde Galeria Mario Cohen – r. Capitão Francisco Padilha, 69, Jardim Europa

Preço Gratuito

Classificação 18 anos

MATHEUS ROCHA / Folhapress

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