CURITIBA, PR, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Setores envolvidos no transporte de todo tipo de carga para Manaus (AM) por meio dos rios que cortam a região dizem que já colocaram em prática medidas para minimizar os efeitos da seca. Por outro lado, lembram que os pontos mais críticos no rio Amazonas para navegação de grandes embarcações no período de estiagem já são historicamente conhecidos e reclamam da falta de uma solução perene.
“De maneira geral, a indústria está preparada para enfrentar a seca, apesar do sobrecusto. Mas não há uma discussão para resolver o problema de forma definitiva. A Amazônia segue abandonada do ponto de vista da infraestrutura”, diz Augusto Cesar Rocha, coordenador da comissão de logística do Cieam (Centro da Indústria do Estado do Amazonas).
A principal medida para minimizar os efeitos da seca está sendo preparada pelas duas maiores estações portuárias que atuam em Manaus, o Porto Chibatão e o Super Terminais. De acordo com o Ceaim, cada um gastou mais de R$ 20 milhões para montar emergencialmente dois píeres flutuantes, que funcionarão como balsas para carregar os contêineres dos navios com calados incompatíveis com a profundidade do rio nesta época.
Os píeres provisórios, de 240 metros de comprimento e 24 metros de largura, vão operar 24 horas por dia e serão colocados imediatamente antes do local onde deve haver interrupção da navegação para os maiores navios.
Por causa da seca e do acúmulo de sedimentos, o trecho mais crítico no rio Amazonas começa perto da foz de Madeira e vai até a região do Tabocal.
Entre o ponto crítico para o navio até a capital do Amazonas, o píer flutuante vai transitar por 12 horas. “É uma área muito próxima a Manaus. Por isso a nossa inquietação. Porque seria muito mais econômico, a longo prazo, ter uma obra mais perene do que a dragagem. Talvez um canal ou uma solução de engenharia alternativa, para que o próprio rio desse conta de remover os sedimentos e manter o leito livre”, diz Rocha.
YouTube Isolados pela seca, produtores de guaraná artesanal passam fome na Amazônia FOME DE QUÊ? Ribeirinhos do Alto Urupadi, em Maués (AM), criam frangos para driblar falta de peixes e criam estratégias de adaptação a eventos climáticos extremos.Assine a TV Folhahttps://goo.gl/EBg4agLeia mais na Folhahttp://www.folha.com.brInstagramhtt… https://www.youtube.com/watch?v=atHJ0Mer9qQ *** Segundo Luis Resano, diretor-executivo da Abac (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem), outra opção para mandar cargas para Manaus, e também retirar outras cargas da cidade, é o Porto de Vila do Conde, no Pará. A distância, contudo, é um obstáculo. “O trânsito de barcaça entre Vila do Conde até Manaus significa quase dez dias de viagem. Então atrasa muito a logística”, explica ele.
Outras medidas tomadas para minimizar os efeitos da seca e evitar o desabastecimento de Manaus foram repassar parte das cargas a outros modais, como o rodoviário e o aéreo. A obra na BR-319, contudo, não está concluída.
A utilização dos dois píeres flutuantes é algo inédito, e pensado a partir da experiência do final de 2023, quando a seca castigou a região.
“Ano passado não tínhamos os terminais flutuantes e passamos a desembarcar todas as cargas que eram possíveis no porto de Vila do Conde, que não estava preparado para o excesso de movimentação. Houve um colapso. Deixamos de levar ou tirar até Manaus 45 mil contêineres”, conta Resano.
Através dos navios até Manaus são transportados todo tipo de insumo, de arroz, feijão e carne até cimento e material de limpeza. Na outra via, os navios também retiram a produção da Zona Franca de Manaus para levar a grandes consumidores no Sul e Sudeste do país.
“Na época, a inflação subiu 20% em Manaus por conta de falta de arroz e feijão no supermercado. E não é só Manaus. A capital funciona como um grande centro logístico e dali as cargas são mandadas para Benjamin Constant, para Tabatinga, para toda a região”, lembra Resano.
Segundo dados do Ceiam, a crise do ano passado gerou um sobrecusto de R$ 1,4 bilhão para a indústria em relação a logística e transporte.
“Neste ano, a gente já tem uma estimativa de sobrecusto da ordem de R$ 500 milhões por causa da seca na região. Isso porque os grandes armadores internacionais estão cobrando uma taxa da seca desde o início de agosto, que é um aditivo para cada contêiner”, explica Augusto Cesar Rocha.
A previsão do setor que trabalha com toda esta logística é que a seca deste ano seja ainda pior do que a do ano passado. “Nesta semana os navios começaram a reduzir o carregamento por causa da profundidade do rio. No trecho mais crítico, já não conseguimos passar com os navios a plena carga”, diz Resano.
Lista **** Para Augusto Cesar Rocha, do Ceiam, o problema vai se repetir se não houver investimento em infraestrutura na região. “A gente discute a Amazônia como se fosse uma mancha verde, e não uma área com distâncias enormes”, critica ele. “O rio Amazonas e o rio Negro são gigantes. Não há razão para não ter navegação, mesmo na seca”, continua ele.
Pescadores e empresários do setor afirmam que a seca já afetou a extração e a comercialização dos peixes. Espécies comuns como surubim e pacu estão aparecendo menos no Alto Solimões, região mais próxima da fronteira com Colômbia e Peru.
Pescadores capturam as espécies em municípios do sudoeste amazonense e as vendem em cidades vizinhas, incluindo as além da fronteira.
“O rio costuma encher os lagos, e os peixes migram do rio para os lagos para a reprodução. Mas como o rio não encheu o suficiente, muitos peixes não alcançaram esses lagos”, afirma Ulianov Mejia Echavarria, presidente da Aepam (Associação dos Empresários de Pescado do Amazonas).
Echavarria, que mora em Tabatinga (AM), fronteira com a Colômbia, avalia que a crise do setor de pescados deve se agravar até novembro, quando começa o período das chuvas.
“Dependemos da pesca. Ainda são poucas as espécies criadas em cativeiro. À exceção de tambaqui, pirapitinga e matrinxã, a maioria é extraída dos rios e lagos. A safra do ano passado já não foi muito boa, e esta espera-se que seja bem menor”, diz.
“Nos vários anos em que moro aqui nunca tinha visto uma seca tão impressionante quanto a de dezembro de 2023, que seria o período das cheias. Era o primeiro alerta de que o ciclo do rio estava alterado.”
CATARINA SCORTECCI E YURI EIRAS / Folhapress