SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tubarões têm uma longa lista de cardápios possíveis nos oceanos –sempre vale lembrar, o ser humano não é um deles–, entre os quais, outros colegas tubarões. Uma dessas refeições, mais especificamente a predação de uma fêmea ameaçada de extinção e grávida, foi documentada por pesquisadores recentemente no oceano Atlântico.
Os cientistas não estavam esperando o que encontraram. Inicialmente, eles capturaram e marcaram, com dispositivos para monitoramento -com os quais é possível analisar comportamentos e preferências ambientais-, alguns tubarões Lamna nasus, conhecidos como tubarão-sardo, espécie classificada como vulnerável na lista da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN na sigla em inglês) de animais ameaçados de extinção.
Esses aparelhos estavam programados para coletar dados de pressão e temperatura da água, em intervalos de 20 segundos, por 365 dias.
Em 28 de outubro de 2020, uma fêmea grávida foi capturada e marcada próximo a Cabo Cod, uma península no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos.
No início do rastreamento, até 26 de dezembro daquele ano, o animal ficou próximo a superfície, nadando a até cem metros de profundidade -a temperatura medida nesse período ficou de 10,28°C a 20,54°C.
Depois, até o fim de março do ano seguinte, a fêmea se distanciou do continente e chegou a nadar em profundidades de até 800 metros, e as temperaturas variaram de 6,4°C a 23,52°C. Estima-se que ela tenha se deslocado cerca de 1.120 km durante o período monitorado.
Até que chegou o dia 24 de março de 2021.
Apesar da manutenção da profundidade, houve um aumento da temperatura registrada. Começou-se a se notar, então, que, mesmo com variações da profundidade em que o rastreador acoplado ao tubarão estava, a temperatura permanecia relativamente estável, sem grandes alterações.
Segundo os cientistas, os dados observados indicavam que o rastreador havia sido engolido e, provavelmente, a fêmea, predada por outro animal.
Qual animal poderia comer um tubarão fêmea com mais de dois metros de comprimento?
Os dados de profundidade e local da predação, mais as informações sobre a temperatura estável posterior (cerca de 5°C acima da temperatura ambiente), poderiam ajudar a indicar quem seria o responsável.
Um mamífero grande, como uma orca, poderia ser o responsável? Provavelmente, não, por esses animais terem uma temperatura corporal maior do que a observada.
Os principais suspeitos, que habitam áreas próximas de onde ocorreu a predação, tornaram-se, então, o tubarão-branco (Carcharodon carcharias) e o tubarão-mako (Isurus oxyrinchus).
A profundidade em que ficou o rastreador –agora dentro do corpo do predador– foi o elemento final para os pesquisadores concluírem quem predou a fêmea grávida.
O tubarão-mako fica em profundidades um pouco inferiores às registradas no rastreador.
Mas há documentação de grandes fêmeas de tubarões-branco passando mais tempo em profundidades maiores nas águas do Atlântico, onde se deu a pesquisa.
“Dada essa comparação, é provável que um tubarão-branco tenha sido o predador do nosso tubarão-sardo marcado”, escrevem os cientistas.
Apesar desse detalhamento dos últimos momentos da vida do bicho, tubarões predando tubarões não chega a ser um cenário novo.
“Predação entre tubarões é bastante comum”, diz Leonardo Feitosa, biólogo e doutorando em ciências ambientais e manejo pela Universidade da Califórnia, Santa Barbara, que não participou do estudo.
Segundo Feitosa, o mais comum é que espécies menores virem presas dos tubarões maiores. Também é possível observar bichos jovens virando presa de indivíduos adultos de outras espécies de tubarão. Até canibalismo é encontrado.
“Os mais difundidos são os exemplos do tubarão-limão (Negaprion brevirostris) e do tubarão mangona em que os próprios filhotes praticam canibalismo dentro do útero”, diz Feitosa. “As fêmeas geram ovos que eclodem dentro do útero em diferentes momentos. O filhote mais velho já é uma cópia do indivíduo adulto, inclusive com dentes, predando seus irmãos menores, de ovos mais jovens.”
O pesquisador diz que há um acervo amplo de vídeos no YouTube de tubarões predando uns aos outros.
“Qualquer tipo de registro desse tipo de interação é interessante, especialmente no caso do estudo porque eles têm fortes evidências de que a predação ocorreu por uma espécie de tubarão com regulação termal, o que normalmente é difícil averiguar”, afirma Feitosa.
PHILLIPPE WATANABE / Folhapress