WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O primeiro debate entre Kamala Harris e Donald Trump acontece nesta terça-feira (10) no coração da Pensilvânia, um estado visto cada vez mais como o fiel da balança na eleição deste ano –e onde eleitores poderão começar a votar para presidente na próxima segunda-feira (16).
Para a democrata, ainda relativamente desconhecida do eleitor, o debate é a melhor chance até novembro de mostrar quem é e o que quer –além de convencer de que é diferente “de tudo o que está aí”. No caso do republicano, é a oportunidade de acabar de vez com a lua de mel após a troca na chapa democrata e colar na vice-presidente os rótulos de radical, fraca e tão culpada pelos problemas do atual governo quanto Joe Biden.
A pressão é maior sobre Kamala, especialmente após a divulgação de uma pesquisa New York Times/Siena College no último domingo (8), em que Trump aparece numericamente à frente, com uma vantagem de 1 ponto percentual, na pesquisa nacional.
Considerando a margem de erro de 3 pontos, o cenário é de empate técnico. Ainda assim, o diagnóstico é de que o momentum ganho nas últimas semanas, com altas consecutivas pesquisa após pesquisa, chegou ao fim. Na média do agregador RealClearPolling, a vantagem de 1,9 ponto de Kamala caiu para 1,3 em uma semana.
Para mais de 80% do eleitorado que já definiu seu voto, o debate não deve fazer diferença. Nos últimos seis meses, Trump e o candidato democrata, seja Biden ou Kamala, oscilam entre os 44% e 48% das intenções de voto. Não há performance desastrosa em debate, tentativa de assassinato ou troca de candidato que tenha mudado esse quadro.
Assim, o alvo desta terça são os pouco menos de 20% que permanecem indecisos -um eleitorado mais jovem, racialmente diverso, pouco atento à política e mais preocupado com seu bolso do que a média.
A estratégia de Kamala deve seguir as mesmas linhas de seu discurso de encerramento da convenção democrata, no qual a candidata destacou sua origem de classe média e tentou emplacar ser a escolha para superar a cansativa polarização política que marca os EUA nos últimos anos.
Dessa vez, o fator idade está do lado dos democratas, e contrastar uma imagem de juventude e vigor contra um Trump confuso é a cena ideal para a campanha de Kamala.
Diferentemente de Biden, ela deve atacar Trump mais como uma ameaça às liberdades individuais –com destaque para o direito ao aborto– do que como uma ameaça à democracia. Mas, de maneira semelhante ao atual presidente, ela deve sofrer ataques nas mesmas duas frentes: economia e imigração.
O desafio de Kamala é conseguir se desvencilhar de Biden –a quem esse eleitor atribui a culpa pela perda do poder de compra e pela imigração recorde nos últimos anos– sem ofender o atual presidente e o governo do qual faz parte. Na entrevista à CNN, a saída da candidata foi afirmar que muito já foi feito, mas que há espaço para mais avanços.
Pairam ainda sobre a vice-presidente os desempenhos ruins dos debates das primárias democratas, em 2019, e as posições mais à esquerda que assumiu na época, quando tentava ganhar a base do partido. Esse flanco já vem sendo explorado pelos republicanos, sobretudo a oposição de Kamala à exploração de petróleo e gás por fracking e à detenção de imigrantes pegos ao cruzarem a fronteira ilegalmente -ela recuou em ambos os temas.
“Kamala Harris disparou nas pesquisas nacionais e nos estados decisivos desde que assumiu a chapa democrata em julho, mas participou de relativamente poucas entrevistas ao vivo na televisão”, escreveu o estrategista democrata Max Burns.
“Isso aumenta a importância do debate de terça-feira, onde Kamala terá a tarefa de vender a visão dos democratas de um futuro sem Trump, enquanto também enfrenta perguntas difíceis sobre suas posições em evolução em questões-chave.”
A campanha de Trump vem apontando há semanas o debate como um momento de virada, contando com a inexperiência e o histórico ruim da vice-presidente em embates diretos para desmontar o ânimo em torno da sua candidatura.
Do mesmo modo que Kamala precisa se apresentar, o republicano precisa introduzir a adversária ao eleitorado em seus termos: uma radical de esquerda tão culpada quanto Biden pela inflação e disparada da imigração.
São linhas de ataque que o empresário vem testando nas últimas semanas, ilustradas pelas expressões “camarada Kamala” e “czar da fronteira” usadas por ele para se referir à adversária. O desafio de Trump é se manter nessa estratégia, calibrando o nível de agressividade, sem incorrer em ofensas racistas e machistas.
“Bata nela nas políticas. Assim como você fez com Biden no primeiro debate. Aquele foi um Donald Trump disciplinado, firme e focado em políticas. Eu adoraria ver o mesmo Donald Trump contra Kamala Harris”, disse à Fox News o consultor republicano Ari Fleischer.
Trump já saiu parcialmente na frente nesse quesito. Democratas avaliaram que a regra de mutar o microfone enquanto o adversário fala favoreceu o ex-presidente no debate contra Biden –e tentaram renegociá-la, sem sucesso. Para a campanha de Kamala, o cenário ideal era um em que o espectador pudesse ouvir o republicano perder o controle.
Para se precaver de um eventual desempenho ruim, o ex-presidente vem atacando o canal ABC, que organiza o debate, como uma rede de fake news cuja cobertura seria supostamente a mais injusta contra ele. Também é esperado que ele coloque em dúvida a lisura da eleição, repetindo ataques sem provas que têm feito em comícios e entrevistas.
FERNANDA PERRIN / Folhapress