Projeto do combustível do futuro prevê estocagem de CO2 que pode beneficiar Petrobras e poluentes

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O projeto de lei dos biocombustíveis, chamado de combustível do futuro, cria o marco legal para a estocagem de CO2 no subsolo, ou CCS (captura e armazenamento de carbono, em inglês).

Apoiadores projetam nesta tecnologia uma indústria bilionária para neutralização da pegada de carbono de setores que têm emissão intensiva (como carvão, gás e óleo). Críticos questionam sua viabilidade e veem risco de fortalecimento da indústria poluente em detrimento de fontes sustentáveis de produção.

A tecnologia de CCS permite armazenar gás carbônico no subsolo. O projeto cria as diretrizes legais para a estocagem e também para captura e transporte do CO2 no Brasil —o texto está na Câmara dos Deputados e pode ser votado nesta semana.

A Petrobras pode ser uma das grandes beneficiadas com este mercado, uma vez que já atua com a estocagem (é uma das companhias no mundo com maior expertise no setor) e poderia oferecer este serviço para outras empresas —inclusive utilizando os poços do pré-sal.

O projeto altera o objeto social da estatal para prever a atuação em “atividades relacionadas à movimentação e à estocagem de dióxido de carbono.”

“A Petrobras é uma das mais interessadas no tema, pois já possui um dos maiores programas de captura e armazenamento de CO2 em operação no mundo. Além disso, o CCS vem como alternativa para estruturação da transição energética”, diz Tiago Santana, sócio coordenador de relações governamentais do Perman Advogado.

William Wills, diretor-técnico do Centro Brasil no Clima, afirma que a tecnologia pode ser importante para ajudar a cumprir as metas do Acordo de Paris, mas a indústria não pode deixar de desenvolver outras rotas de produção menos poluentes.

“Ainda há muitas incertezas quanto ao CCS, uma interrogação no potencial de longo prazo e no custo para se manter o carbono estocado por séculos”, diz.

Um dos principais entraves é a viabilidade econômica, já que o processo é caro.

Há indústrias que emitem gás carbônico misturado com outras moléculas, como a siderurgia. Neste caso, é necessário primeiro separar o poluente, para depois estocá-lo, o que tem custo alto.

Já o agronegócio deve ter vantagem, porque a fermentação da cana já produz CO2 com alto grau de concentração, praticamente pronto para ser estocado.

O projeto de lei determina que a ANP (Agência Nacional de Petróleo) deve regulamentar este mercado, segundo diretrizes do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), e que as autorizações para exploração do subsolo da União terão duração de 30 anos.

“Uma vez aprovado, o esforço vai ser de regulamentação, porque a ANP vai ter muitas atribuições. Ela era uma agência de competência limitada, e apesar de muito capacitada, está ampliando muito suas atribuições. Isso pode ser um gargalo. Precisamos reforçar a ANP”, afirma Isabela Morbach, diretora da CCS Brasil.

Especialistas projetam o surgimento de polos logísticos de CCS, que servirão de ponto intermediário entre a empresa que emite e a que estoca.

A tendência é que eles fiquem próximos à costa, mas em regiões bastante industrializadas —por exemplo, no norte do Rio de Janeiro.

Presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável, que representa o carvão, Fernando Luiz Zancan defende a estocagem como forma viabilizar o uso de usinas termelétricas.

“O CCS é importante para petróleo, gás, carvão e para os biocombustíveis terem emissões neutralizadas. Para nós, não existe indústria de carvão de grande porte sem ter captura de CO2”, afirma.

Sob reserva, representantes destes setores avaliam que haverá uma forte pressão para que o governo dê incentivos iniciais para o mercado de CCS —o que é criticado por quem questiona o método.

“Setores que deveriam reduzir níveis de atividade e ter um papel menos importante na sociedade podem acabar ganhando mais subsídio. Quero que o CCS dê certo, mas ele não pode ser tratado como bala de prata. Precisamos de outras medidas em conjunto para processos mais limpos e renováveis”, afirma.

“Não defendo que o CCS sirva para justificar a manutenção integral dos fósseis como são usados hoje, mas existe uma transição a ser feita”, diz Isabela Morbach.

JOÃO GABRIEL / Folhapress

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