Como o ‘Café com Deus Pai’ virou ponta de lança dos livros devocionais na Bienal

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Junior Rostirola é pastor evangélico, escreve sobre Deus e domina como poucos o gênero devocional, que oferta reflexões com estofo bíblico para cada dia do ano.

É também autor do livro mais vendido no país em 2023, recorde que tem tudo para se repetir neste ano. Com “Café com Deus Pai” (Vélos), ele acredita ter enfim “furado a bolha”.

Seria fácil demais escantear a obra como literatura menor, indigna de dividir prateleira com obras mais bem-vistas no mercado editorial. Para Rostirola, contudo, o preconceito contra títulos cristãos não só é descabido como comercialmente daninho. E vai cair de maduro.

“O ‘Café’ é uma grande resposta, porque é um livro de um pastor, mas que furou a bolha e que realmente está no mundo secular”, diz, evocando termo comum nas igrejas para etiquetar o que vem de fora da fé. “As livrarias seculares estão vendendo.”

Foi como se tivessem acordado para um leitor ávido, mas quase sempre negligenciado fora dos círculos religiosos. Nada por acaso, a Bienal do Livro abriu neste ano um espaço inédito para autores cristãos, a começar pelo próprio Rostirola, que falará nesta quinta (12) na Arena Cultural, o palco principal do evento.

Ele é o maior best-seller do país, mas se bobear passaria batido por uma Flip da vida, nicho que não costuma enquadrá-lo como literatura. Essa postura, para o pastor, está com os dias contados.

Hoje boa parte do meio literário para e pensa, “calma lá, existe esse público para o qual a gente talvez não tenha dado tanta oportunidade, mas precisamos, porque está fazendo diferença no mercado”, diz ele. “‘Café com Deus Pai’ realmente foi um divisor de águas para quebrar toda a barreira que existia.”

Uma visão decerto otimista. Ainda é comum ver uma confusão de rótulos que, segundo autor, não faz jus a seu trabalho. “Sempre digo o seguinte: meu livro não é coach, não é de autoajuda. Porque a autoajuda vai encontrar respostas dentro de si e no meu livro a resposta está em Deus. Quando você entende que Deus sabe realmente o que é melhor pra você, você começa a viver uma vida abundante.”

“Me desculpe por me emocionar”, ele diz com olhos aguados, ao conversar com a reportagem sobre uma trajetória açoitada por violência doméstica e bullying escolar. A experiência pessoal serve de escada, na obra, para conselhos espirituais. A ideia é desfrutar da “maior e melhor companhia que o ser humano pode ter”. Um papo reto com aqueles que cristãos veem como Criador. “Sim, Deus deseja tomar café com você.”

“Sei que a pessoa que eu me tornei realmente foi um milagre”, diz. “Até meus 22 anos, eu não falava, não conseguia me relacionar com ninguém. Meus três primeiros irmãos morreram por causa do meu pai. Comecei a apanhar aos sete meses, me tornei aquela criança esquecida no banco da escola. Aos 13 anos, sofri uma depressão profunda e desisti da escola.”

Ele credita os irmãos perdidos a sequelas fetais, após sua mãe apanhar tanto do marido. “Quando ela estava grávida de sete meses, meu pai bateu tanto que ela entrou em trabalho de parto. Meu irmão nasceu, durou 24 horas e acabou falecendo.”

Ele narra ainda o dia em que um vizinho instalou no quintal deles uma piscina daquelas simples, de lona plástica, uma “alegria que durou pouco”. O pai chegou bêbado e, “em momento de fúria, pegou uma faca e cortou a piscina inteira”.

Rostirola cresceu um menino calado e no colégio virou alvo de colegas. “Apanhava muito na escola por eu não ter uma expressão, andava sempre de cabeça baixa. Num país onde a bola nasce junto com o menino, as poucas vezes em que me aproximei dos rapazes para jogar futebol, diziam que eu não sabia correr. Eu era conhecido como filho do cachaceiro.”

Até o dia em que uma vizinha o convidou para acompanhá-la na igreja. A família dele não era religiosa, mas o jovem foi e ouviu uma canção gospel que falava na “casa do Senhor”. “Pensei: aqui é meu lugar, porque minha casa era toda quebrada, e eu não tinha amor nela. Meu pai nunca me abraçou.”

Justo naquele dia, ele rememora, a pregação falava sobre a paternidade de Deus. O líder convocou para ir à frente do púlpito quem quisesse uma oração. “Quando fui, me joguei no chão chorando muito.” Achou o Pai, que agora põe em letra maiúscula, que tanto buscava.

Essas passagens autobiográficas, ainda que com detalhes menos gráficos, aparecem em seu livro junto com frases de efeito como “a pista está pronta, os apitos já anunciaram a largada, e em Deus você pode ser campeão nesta maratona”.

“Café com Deus Pai” vence de longe a corrida no comércio literário. Só em 2024, foram mais de 180 mil exemplares vendidos até aqui, segundo a BookInfo, que monitora vendas em livrarias. Quase quatro vezes mais do que o segundo lugar, “É Assim que Acaba”, da americana Colleen Hoover.

O sucesso dos livros devocionais, para Rostirola, tem muito a ver com a maior crise sanitária da nossa geração. “No pós-pandemia, querendo ou não, o ser humano em geral começou a fazer algumas perguntas.”

O caos global que se espraiou com a Covid-19 é elemento central para entender por que o gênero ficou tão pop, afirma David Oliveira, gerente de marketing e inovação da Casa Publicadora Brasileira, editora ligada à Igreja Adventista.

“As pessoas ficam sem sair de casa, várias delas com problemas familiares, e aí vem um produto regular, com reflexões que servem como alento, baseadas na Bíblia, num país tão cristão como o Brasil.” Não tinha como dar errado. O estilo, ele diz, “despontou para uma categoria que sempre esteve lá”. E as editoras souberam surfar nessa onda.

Títulos como “Papo com Deus – 365 Mensagens Diárias” (Principis) e “Mulheres Improváveis” (Vida) seguem o mesmo formato que catapultou “Café com Deus Pai”.

Oliveira diz que os números oficiais, já superlativos, costumam ser uma fração das vendas reais desse tipo de título. As ferramentas do mercado secular não reconhecem, por exemplo, a venda direta em igrejas, fortíssima em tantos casos.

Pesquisa encomendada à Nielsen BookData pelo Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) revela que, em 2023, 15% do comércio de obras religiosas acontecia nos templos e 34%, nas livrarias.

O best-seller do pastor Rostirola é a ponta de lança desse filão. Ganhou inclusive versões teen e kids. Em todas, a segunda sílaba da palavra “café” vem grifada em cor diferente. Haja fé.

‘Café com Deus Pai’ na Bienal do Livro de SP

Quando: Quinta (12), às 17h45, na Arena Cultural

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress

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