Acordo Mercosul-China traria ganhos para o agronegócio e perdas para a indústria brasileira, diz estudo

PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Pano de fundo nas conversas entre Brasil e China desde o ano passado, embora sem prazo ou garantia de conclusão, o eventual acordo de livre comércio do Mercosul com Pequim ganha números nesta quarta (11), quando será divulgado um estudo do CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China) com projeções do que seria o seu impacto até 2035.

“O Brasil teria ganhos de 1,43% do PIB, 7,3% de investimentos, 1,26% de aumento real de salários, 7,1% de exportações e 9,4% das importações”, resume o relatório. Em valores, o país teria o maior aumento do PIB entre os membros do Mercosul, US$ 30 bilhões. O estudo ainda não inclui a Bolívia, incorporada ao bloco em julho.

Os benefícios não seriam distribuídos igualmente também no Brasil. Enquanto o agronegócio teria um ganho total de produção de US$ 14,6 bilhões, a indústria de transformação teria perdas de US$ 6,7 bilhões. Têxteis, vestuário, produtos eletrônicos, equipamentos elétricos, calçados, máquinas estariam entre os setores atingidos.

A publicação de 152 páginas do CEBC foi realizada em grande parte por técnicos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do Ministério do Planejamento), com financiamento parcial e posterior da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

O economista Renato Baumann, técnico de pesquisa e planejamento do Ipea, indicado pelo Conselho para responder pelo relatório, diz que ele “foi uma decisão do CEBC, não iniciativa da CNA, mas é óbvio que eles tiveram todo o interesse em apoiar”. A divulgação, com um seminário, será no auditório da CNA em Brasília. Também não há envolvimento institucional do Ipea.

Segundo Baumann, a indústria é a preocupação maior do estudo. “Porque fazer um exercício para o agronegócio é redundante, já se sabe que apoia”, justifica. “A questão é que a reação seria ou será muito forte por parte das confederações e federações industriais. A lógica do exercício é: olha a experiência asiática.”

Ele se refere ao acordo entre Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e China, assinado em 2002. “Claramente houve benefícios, apesar do aumento do déficit no comércio com a China. A partir do momento em que você participa de cadeias de valor, essa interação produtiva tem impacto grande de competitividade.”

O relatório fala em “lições” do Sudeste Asiático. “A China passa de 3% para 22% das importações da Asean em pouco tempo”, detalha Baumann. “Só que, dado o investimento em infraestrutura e o tipo de relação com a economia chinesa, o ganho de competitividade permitiu aumentar o superávit com Estados Unidos e União Europeia numa magnitude que compensou.”

Era o que se esperava, na época, para a América Latina. “Era o sonho, havia uma confiança grande de que iria haver essa migração para cá”, diz. “Vários países imaginavam que iriam se beneficiar do ‘nearshoring’, por serem próximos dos EUA. Isso não se concretizou, exceto para alguns setores do México. Mas América do Sul, Central, não aconteceu praticamente nada.”

O risco, indica o relatório, é o Brasil e a região perderem o bonde outra vez. “Com os novos grandes acordos, mega acordos, a gente vai ficando de fora”, argumenta o economista, em referência aos agrupamentos comerciais que surgem em torno da Ásia e agora da África. “Nenhum dos países do Mercosul participa de nada disso.”

Outra lição do acordo da Asean, tema sobre o qual o relatório se estende com capítulo próprio, é que a China pode ser flexível nas negociações. Alguns dos países do Sudeste Asiático fizeram concessões em cinco anos e outros só depois de uma década, o que poderia se repetir no caso do Mercosul, dadas as diferenças de tamanho, entre outras, de suas economias.

Apontando mais diretamente para o processo de negociação entre o Mercosul e a China, o relatório sublinha que os benefícios de um eventual acordo precisariam envolver não só concessões comerciais, mas também de fluxo de investimentos.

“A principal mensagem deste estudo é que qualquer discussão não deveria se restringir a questões comerciais, mas abarcar temas como investimentos, tecnologia e criação de cadeias produtivas regionais, em especial as ligadas a transição energética e descarbonização”, afirma a publicação, em suas primeiras páginas.

Questionado sobre formas de mitigar o impacto sobre a indústria brasileira, Baumann recorre às saídas tradicionais da teoria econômica. “Alguns setores vão se ressentir. O que a teoria recomenda? Para esses setores, ter treinamento, capacitação de mão de obra, investimentos pontuais, específicos.”

Ele anota que “mesmo a perda em alguns setores provavelmente não será tão grande, porque o modelo de simulação está baseado em dados de 2014 e de lá para cá você teve um aumento importante dos salários na China, por exemplo”, entre outras mudanças relevantes no processo produtivo chinês.

Sugere tomar o estudo como um indicativo de probabilidade de variação. “Tudo vai depender do que for negociado, como for negociado, da situação conjuntural na China e nos países do Mercosul na época em que o acordo entrar em operação”, diz. “São muitas as considerações a serem feitas.”

Pelo que foi possível levantar, desde a virada do ano o governo brasileiro vem trazendo duas mensagens para os interlocutores chineses sobre a questão.

De um lado, enviados como Celso Amorim, assessor da Presidência da República, dizem que o Brasil aceita, sim, negociar o acordo de livre comércio. De outro, negociadores do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), chefiado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, resistem expressamente ao tema nas conversas.

Negociadores chineses acabaram concentrando seus esforços na adesão do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota, o programa chinês de infraestrutura no exterior. A expectativa é por uma decisão brasileira a ser anunciada durante a visita de Estado do líder Xi Jinping ao presidente Lula, em novembro.

NELSON DE SÁ / Folhapress

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