RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A tentativa de impedir a participação de envolvidos com organizações criminosas nas eleições fez juízes do Rio de Janeiro indeferirem o registro de candidatos que nem sequer têm condenação.
A Lei da Ficha Limpa prevê que pessoas com condenação confirmada por órgãos colegiados não possam se candidatar. Contudo ao menos cinco decisões nesta campanha vetaram a participação de candidatos na eleição apenas com base em acusações feitas pelo Ministério Público.
Os magistrados afirmam nas decisões haver situações não contempladas pela legislação eleitoral e declaram não poder “fechar os olhos para a realidade”. Recursos contra as decisões de indeferimento ainda serão julgados pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral).
Uma das candidaturas indeferidas foi de Kaio Brazão (Republicanos), filho do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Domingos Brazão, preso desde março sob acusação de mandar matar a vereadora Marielle Franco (PSOL). Kaio, 23, não é réu em nenhum processo criminal e tenta uma vaga na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
A juíza Maria Paula Galhardo usou como base um relatório do Núcleo de Fiscalização da Propaganda Eleitoral, que aponta a forte atuação e influência da família Brazão em Rio das Pedras.
“Não resta dúvida de que a pretensa candidatura corresponde à prática de currais eleitorais, que aniquilam a liberdade de voto. De outro lado, toda a articulação do requerente com o poderio já exercido pela família Brazão, além da sua proposta pessoal de perpetuação desse poder maculam a vida pregressa do requerente, a probidade administrativa e moralidade para o exercício do mandato”, afirmou a decisão.
Outras três decisões semelhantes foram proferidas pelo juiz André Ricardo Ramos, em Belford Roxo. Ele impediu o registro da candidatura a vereador de Dinho Resenha (Republicanos), em razão de sua prisão preventiva realizada no dia 23 de agosto.
Dinho é acusado de participar de um esquema de compra de votos nas eleições de 2020, na qual não foi eleito. As investigações apontam que ele passou a se articular com criminosos para garantir a vitória este ano.
O processo, porém, ainda não foi julgado. O Ministério Público eleitoral, responsável pela ação, foi favorável ao deferimento do registro de candidatura mesmo após a prisão. Ramos, porém, decidiu barrar a participação dele na eleição.
“A situação do requerente não está contemplada expressamente na Lei Complementar nº 64/90, como causa de inelegibilidade, mas todos sabemos que direito é bom senso”, escreveu o magistrado.
Decisão semelhante foi dada por Ramos para indeferir o registro de candidatura à reeleição do vereador Fabinho Varandão (MDB). Ele expôs na decisão eleitoral depoimentos da ação penal a que o político responde sob acusação de integrar uma milícia.
O vereador Eduardo Araújo (PL) também teve a candidatura à reeleição rejeitada em Belford Roxo. O policial militar foi condenado em primeira instância sob acusação de integrar uma milícia na cidade.
Segundo a sentença, a milícia integrada pelo vereador gerava “uma sensação constante de insegurança, medo e intranquilidade” na região. “Como pode prosperar uma candidatura onde o representante do povo provoca tais sentimentos?”, escreveu Ramos, ao indeferir o registro.
O empresário Clébio Jacaré (União Brasil) teve o registro indeferido para disputar a Prefeitura de Nova Iguaçu. Ele é acusado de liderar uma organização criminosa que comprou, segundo o Ministério Público, a administração da Prefeitura de Itatiaia.
De acordo com a investigação, o grupo do empresário assumiu “a condução de fato do município, focando no desvio de recursos públicos, inclusive a partir da nomeação de funcionários fantasmas e fraudes em contratos e licitações”.
Clébio foi preso em setembro de 2022, quando concorria a uma vaga na Câmara dos Deputados. Ele aguarda sentença em liberdade.
Em sua decisão, o juiz Gustavo Quintanilha, da 156ª Zona Eleitoral, indeferiu o registro de candidatura sob o argumento de que “a Justiça Eleitoral não pode simplesmente fechar os olhos a situações de ilicitude e imoralidade evidentes”.
“A Justiça Eleitoral brasileira e a democracia e o próprio país encontram-se numa encruzilhada”, escreveu o magistrado.
Isabel Veloso, professora da FGV Direito Rio, afirma que “os magistrados parecem estar analisado os casos individualmente, aplicando os princípios de moralidade e vida pregressa, mesmo sem condenação definitiva, com base na lógica de que a presunção de inocência não é uma garantia absoluta”.
“Embora essas decisões visem preservar a integridade do processo eleitoral, a falta de uma previsão legal objetiva pode levantar dúvidas sobre a segurança jurídica e a uniformidade dos critérios adotados”, disse ela.
A falta de critério objetivo cria decisões divergente sobre um mesmo caso. Preso na mesma operação que Clébio Jacaré e réu no mesmo processo, Fábio Ramos, candidato a prefeito de Valença (RJ), teve a candidatura deferida pela Justiça Eleitoral.
O Ministério Público também não impugnou a candidatura à reeleição da vereadora Fernanda Costa (MDB), em Duque de Caxias, apesar da condenação por integrar a organização criminosa liderada pelo pai, o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.
A Promotoria defendeu o deferimento do registro de candidatura. Em parecer à Justiça Eleitoral, afirmou que tem ciência da condenação em primeira instância, mas disse que “a sentença ainda não transitou em julgado, nem foi revista pelo egrégio Tribunal Regional Federal”. Ainda não houve decisão sobre o caso.
ITALO NOGUEIRA / Folhapress