RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A investigação arquivada contra o vereador Carlos Bolsonaro (PL) não contou com diligências que levaram à denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (PL), posteriormente arquivada após anulação de provas.
O Ministério Público encerrou a apuração contra o vereador sem analisar as transações imobiliárias dele, bem como não questionou planos de saúde sobre como foram quitados boletos. Essas informações foram cruciais para identificar parte da lavagem de dinheiro atribuída ao senador.
Dados da quebra de sigilo mostraram que as movimentações financeiras de Carlos e Flávio eram diferentes. O vereador sacou quase 90% do salário, enquanto o senador fez poucas retiradas. A prática dificulta a identificação de possíveis desvios, já que o filho “02” do ex-presidente Jair Bolsonaro possuía lastro para transações em espécie.
O promotor Alexandre Graça, responsável pelo procedimento, afirmou que “as diligências que se fizeram necessárias foram realizadas”. Disse também que “o questionamento feito é fruto do desconhecimento da investigação”.
Carlos declarou, em nota, que recebeu com tranquilidade a informação sobre o arquivamento. Manifestou também indignação com a acusação contra integrantes de seu gabinete.
Graça apresentou nesta quarta-feira (11) denúncia contra sete funcionários de Carlos sob acusação de integrarem um esquema de “rachadinha” liderado por Jorge Fernandes, chefe de gabinete do vereador. A apuração contra o filho do ex-presidente foi arquivada sob a justificativa de que não foi identificada irregularidade na movimentação financeira dele.
Nesta quinta-feira (12), o juiz Thales Braga devolveu a investigação para o Ministério Público, apontando inconsistência na apuração, na denúncia, e no arquivamento das suspeitas contra Carlos.
A investigação, por exemplo, não avançou sobre as transações imobiliárias do vereador. Ele adquiriu dois apartamentos no período sob investigação (2005 a 2021). Relatório da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MP-RJ levantou suspeitas sobre ambas.
A escritura de compra e venda de um apartamento comprado em 2009 em Copacabana diz que os R$ 70 mil pagos pela transação foram quitados por meio de transferência bancária. Os técnicos do MP-RJ, porém, afirmam não ter localizado a operação na quebra de sigilo bancário do vereador. Eles encontraram apenas um pagamento de R$ 60 mil ao antigo proprietário.
O documento ressalta ainda o fato de Carlos ter acessado, no mesmo dia da transação, o cofre que mantinha numa agência do Banco do Brasil no centro do Rio de Janeiro. Ele também recebeu um depósito em espécie de R$ 10 mil na conta dias antes da operação.
Outro indício apontado no relatório é o fato de o valor da compra do apartamento em Copacabana ter sido 70% abaixo da avaliação feita pela prefeitura para a cobrança do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis). O município costuma usar critérios de mercado para definir o cálculo do tributo.
O documento aponta ainda que a compra de um imóvel no centro em 2012 por R$ 180 mil provocou uma evolução patrimonial sem lastro na renda auferida pelo vereador naquele ano.
Na investigação contra Flávio, o extinto Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) pediu a quebra de sigilo bancário de todas as pessoas que venderam imóveis ao senador no período sob análise.
Foi a partir dessa medida que os promotores identificaram depósito de R$ 638 mil em dinheiro vivo na conta do norte-americano Glenn Dillard no mesmo dia em que ele vendeu dois imóveis para Flávio. O valor oficial da transação foi de R$ 310 mil, correspondente às transferências bancárias realizadas pelo senador.
O Gaecc afirmou na denúncia contra Flávio que o dinheiro vivo que entrou nas contas de Dillard tinha como origem o esquema de “rachadinha” no antigo gabinete do senador na Assembleia Legislativa. A acusação foi arquivada após as provas serem anuladas.
Na investigação contra Carlos, não houve quebra de sigilo contra os antigos proprietários dos imóveis.
Os autos da investigação mostram que Graça também não seguiu recomendação da coordenadoria de inteligência do MP-RJ de solicitar informações às operadoras de saúde Qualicorp e Unimed, com as quais Carlos informou à Receita ter mantido vínculos contratuais.
O relatório técnico afirma ter identificado a quitação de apenas um boleto, embora ele tenha declarado manter vínculos com os planos de saúde entre 2011 e 2020.
Foi por meio de pedidos de informação feitos ao plano de saúde e à escola das filhas de Flávio que o Gaecc conseguiu identificar o uso de dinheiro vivo para quitação dos boletos.
No caso do senador, a informação tinha força porque ele não fazia saques em valores correspondentes aos gastos. O vereador, por sua vez, tinha lastro para operações em dinheiro vivo por sacar 87% do salário no período investigado, gerando R$ 1,98 milhão em espécie.
Dados sobre os gastos pessoais, contudo, poderiam dar mais clareza ao padrão de gastos do vereador. O relatório da coordenadoria de inteligência do MP-RJ, por exemplo, identificou que Carlos apresentou aumento patrimonial sem origem clara nos rendimentos em 2010 e 2012.
“Ao apresentar ‘patrimônio a descoberto’, o saldo de caixa fica negativo, ou seja, sua renda líquida mensal fica insuficiente para arcar com suas despesas mensais declaradas. Isso sem contar que não se consideram nesta análise as despesas pessoais e de manutenção de seus bens, o que aumentaria ainda mais a insuficiência de caixa”, diz o relatório.
Em 2010, geraram o patrimônio a descoberto a aquisição de um carro e uma doação de R$ 70 mil para Flávio.
Em 2012, o principal motivo de descompasso entre renda e aumento patrimonial foi a aquisição de outro imóvel, no centro, por R$ 180 mil.
ITALO NOGUEIRA / Folhapress