‘Baumgartner’, último livro de Paul Auster, é um epitáfio digno do autor

(FOLHAPRESS) – O escritor americano Paul Auster morreu em abril, aos 77 anos, depois de uma carreira literária brilhante que incluiu duas dezenas de romances, além de poesia, não ficção e roteiros para cinema.

Seu último livro, “Baumgartner”, publicado lá fora um ano antes da morte do escritor, acaba de sair no Brasil e é um epitáfio digno de um dos autores mais admirados dos últimos 45 anos. Fãs da prosa peculiar de Auster vão reconhecer vários elementos típicos de seu estilo pós-moderno.

Como escreveu Cadão Volpato em seu obituário: “Auster tinha um estilo que seus leitores conseguiam identificar com grande facilidade. A forma de seus livros era simples, direta, envolvente, e seus temas variavam dentro de um mesmo universo. Ele costumava falar da força do acaso, das fatalidades e das coincidências; também do fracasso e da sombra de desastres iminentes; da vida de escritor, dos acontecimentos banais e extraordinários, da ausência da figura paterna e de Nova York -especificamente do distrito do Brooklyn”.

Quase tudo isso está em “Baumgartner”, história autorreferencial e com toques autobiográficos em que Auster conta a vida de Seymour Baumgartner, um septuagenário escritor e professor de filosofia que lida com a trágica morte da mulher, Anna, ocorrida uma década antes.

Anna era uma tradutora brilhante -de obras de Fernando Pessoa, entre outros- e uma poeta mais brilhante ainda, embora desconhecida, o que deprime Baumgartner, que sonha em vê-la receber os louros que julga que ela merece.

A vida de Baumgartner é um tédio: ele compra livros que não vai ler só para encontrar a entregadora, por quem se sente atraído, enquanto sonha em se aposentar para não ter que cumprir as obrigações professorais na universidade.

A vida do personagem ecoa a do próprio Auster: um pai severo e que marcou a vida do filho, uma temporada morando em Paris, parentes de sobrenome Auster e um avô que ele não conheceu, cuja história tenta desvendar numa visita à Ucrânia. Auster descreveu essa viagem ao site Literary Hub em 2020 e reproduz o texto no livro, como se tivesse sido escrito pelo personagem Baumgartner.

O parágrafo de abertura desse texto é uma espécie de síntese das questões que aparecem em alguns livros de Auster, como memórias e a construção de narrativas.

“Será que um evento precisa ser verdadeiro para que o aceitemos como verdade, mesmo que a coisa que supostamente aconteceu não aconteceu? E se, a despeito de seus esforços para descobrir se o evento aconteceu ou não, você chegar a um impasse em matéria de incerteza e for incapaz de garantir que a história contada por alguém no terraço de um café na cidade ocidental da Ucrânia chamada Ivano-Frankivsk derivou de um pequeno, porém verificável acontecimento histórico ou, pelo contrário, é uma lenda, uma bazófia ou um rumor infundado transmitido de pai para filho?”

“Ainda mais relevante”, continua o texto. “Se a história comprova ser tão assombrosa e tão potente que seu queixo cai e você sente que ela mudou, melhorou ou aprofundou sua compreensão do mundo, importa que seja verdadeira ou não?”

Baumgartner é um personagem marcado por questões como essas: tem lembranças vívidas de acontecimentos mundanos de sua vida, embora tenha dúvidas se eles são reais ou imaginados, e apagou da memória passagens longas de sua trajetória. Relê textos inéditos deixados pela esposa, Anna, que o lembram acontecimentos marcantes de sua vida amorosa. Está dividido entre o luto e o recomeço de uma nova vida. Aceitar a mortalidade ou partir para uma nova aventura?

Auster povoa o livro com personagens que perigam carregar Baumgartner para essas novas aventuras: um funcionário da companhia elétrica que o socorre depois de um acidente doméstico, a entregadora que faz bater mais rápido seu coração, uma colega da universidade com quem tem um caso e, por fim, uma estudante de literatura que está obcecada pelos poemas de Anna.

Mais importante que os acontecimentos provocados por cada um desses personagens, no entanto, é como eles despertam em Baumgartner sentimentos diversos e o fazem refletir sobre sua própria vida. Alguns leitores podem achar, ao fim da leitura, que pouco acontece na história. Mas as emoções que o livro desperta são muitas.

BAUMGARTNER

Avaliação Bom

Preço R$ 79,90 (176 págs.); R$ 39,90 (ebook)

Autoria Paul Auster

Editora Companhia das Letras

Tradução Jorio Dauster

ANDRÉ BARCINSKI / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS