BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP – (FOLHAPRESS) – O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino foi alertado pela consultoria jurídica junto ao MPO (Ministério do Planejamento e Orçamento) que a retirada de despesas voltadas para o enfrentamento das queimadas do limite de gastos do arcabouço pode gerar efeitos fiscais relevantes e deteriorar o equilíbrio das contas públicas.
O alerta consta em manifestação encaminhada ao ministro pela AGU (Advocacia-Geral da União) para subsidiar a decisão de Dino sobre a abertura de crédito extraordinário no Orçamento deste ano.
Esse tipo de crédito fica fora do limite de gastos para atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. É aberto por meio de MP (Medida Provisória).
O posicionamento da área jurídica do governo foi uma determinação de Dino, que em despacho da última terça-feira (10) deu prazo de 48 horas para uma manifestação da AGU.
No despacho, que também determinou ao governo federal a convocação de mais bombeiros para o combate aos incêndios, o ex-ministro da Justiça do governo do presidente Lula (PT) sinaliza que pode cobrar a abertura do crédito extraordinário para o combate às queimadas. Dino foi procurado pela Folha por meio de sua assessoria, mas não respondeu.
“Ainda que esses créditos estejam excepcionados do limite de despesas da Lei Complementar nº 200/2023 [do arcabouço fiscal], eles continuam a impactar a meta de resultado primário”, escreveu o coordenador de Assuntos Orçamentários da Consultoria Jurídica do MPO, Richards Marinho Cavalcanti, na manifestação que consta nos autos do processo.
Cavalcanti diz no documento que a edição do crédito extraordinário implicaria a necessidade de ajustes fiscais rigorosos por parte do governo para garantir o cumprimento dessa meta, sob pena de deterioração do equilíbrio fiscal e das condições econômicas.
“O impacto sobre indicadores macroeconômicos, como inflação, taxa de juros e dívida pública pode ser considerável, especialmente se as despesas extraordinárias forem financiadas via aumento da dívida pública”, diz a manifestação.
“Recomenda-se, portanto, cautela na edição de créditos extraordinários e a implementação de medidas compensatórias para mitigar os riscos fiscais e macroeconômicos, garantindo a sustentabilidade das contas públicas a médio e longo prazo.”
No caso do socorro financeiro ao Rio Grande do Sul para o enfrentamento do impacto das enchentes, o governo também abriu créditos extraordinários, mas foi feita uma exceção pelo Congresso para que os gastos também ficassem fora da meta fiscal diante do tamanho da calamidade no estado.
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Analistas do mercado financeiro estão acompanhando com atenção o desfecho do resultado da decisão do ministro Dino. Há uma preocupação de que o ministro acabe, com uma canetada, exigindo a abertura do crédito extraordinário com uma exceção também fora da meta fiscal, em acordo com o governo federal, o que aumentaria a pressão de alta da dívida pública.
A Folha questionou os ministérios do Planejamento e Fazenda sobre possíveis impactos de uma decisão favorável do ministro à abertura do crédito extraordinário. Não houve resposta.
Durante entrevista sobre indicadores econômicos nesta sexta-feira, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, foi questionado pela Folha sobre o tema.
“Nesse tema, não posso adiantar nada, porque, obviamente, não há ainda, até onde eu saiba, uma decisão de como isso será conduzido”, disse.
Mello ressaltou, no entanto, que dentro do arcabouço fiscal, quando ocorre estado de calamidade devido a uma emergência climática, como, por exemplo, aconteceu no Rio Grande do Sul, há a possibilidade de edição de crédito extraordinário para enfrentar essa calamidade.
“Já era assim na regra fiscal anterior e continua sendo assim nessa regra fiscal. Se for esse o caminho adotado, isso estará dentro das regras fiscais e, digamos assim, dos limites e das possibilidades colocadas pelo conjunto de regras fiscais vigentes no país”, afirmou.
Entre os parlamentares críticos à atuação do STF, a possibilidade de Dino cobrar do governo a edição de um crédito extraordinário é vista como mais uma interferência no Legislativo. Em tom irônico, deputados apelidaram a Corte de “Supremo Tribunal Orçamentário”.
“Quando o Supremo passa não só a intervir em matérias decididas pelo Legislativo, mas em temas orçamentários, é sinal de que o nosso modelo de governança precisa ser redesenhado. Hoje ele está fragilizado diante da competição entre o presidencialismo de cooptação, o empoderamento do Congresso e o ativismo do Judiciário”, disse o deputado Danilo Forte (União-CE).
“Não é papel de ministros do STF legislar sobre a peça orçamentária, por mais meritosa que a tese possa ser. Isso fragiliza a autonomia e harmonia entre os poderes, que é o que prega Constituição Federal.”
ADRIANA FERNANDES, MARCELO ROCHA E NATHALIA GARCIA / Folhapress