WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Em 2016, Donald Trump disse que teria vencido a eleição no voto popular se supostos votos de imigrantes em situação ilegal fossem subtraídos do total de Hillary Clinton. Agora, o republicano recorre ao argumento sem provas na disputa contra Kamala Harris e prepara o terreno para questionar o resultado do pleito em novembro.
Republicano e aliados, entre eles o dono do X, Elon Musk, têm afirmado que democratas estão ilegalmente registrando o fluxo recorde de pessoas que entrou no país de modo ilegal durante o governo Joe Biden como eleitores.
Embora dados mostrem que o número de não cidadãos tentando votar nas eleições é irrisório, uma pesquisa Ipsos divulgada em setembro apontou que um terço dos americanos acredita que imigrantes em situação irregular no país votarão em novembro. Entre republicanos, o percentual quase dobra: 65%.
A tese tem sido usada como base por alguns estados para justificar a adoção de novas regras que, na visão de especialistas, dificultam o acesso ao voto especialmente negros, hispânicos, jovens e os mais pobres.
Apenas cidadãos americanos podem votar em eleições federais, segundo a legislação americana. A pena para quem viola a lei prevê multa e prisão. Um imigrante pode ser ainda alvo de deportação.
Na eleição de 2016, oficiais em 42 jurisdições, responsáveis pela supervisão de 23,5 milhões de eleitores, encaminharam cerca de 30 casos para investigação por suspeita de voto por não cidadãos, segundo levantamento feito pelo Centro Brennan. O número equivale a 0,0001% dos votos nessas áreas.
Uma auditoria mais recente, feita pela Geórgia, encontrou apenas 1.319 não cidadãos tentando se registrar para votar de 2016 a 2022 -todos foram impedidos. O estado tem cerca de 8 milhões de eleitores registrados.
Apesar de a lei já proibir voto por não cidadãos e as estatísticas mostrarem que as tentativas são marginais -e identificadas-, republicanos tentam passar no Congresso a exigência de prova de cidadania por eleitores.
O esforço é capitaneado pelo presidente da Câmara, Mike Johnson, um aliado de Trump. Questionado sobre a raridade do problema, o deputado disse que “nós todos sabemos intuitivamente que muitos ilegais estão votando em eleições federais, mas não é algo que se prova facilmente”.
Cerca de 9% dos americanos com idade para votar, ou 21,3 milhões de pessoas, não possuem uma prova de cidadania, como um passaporte, certidão de nascimento ou documentos de naturalização, à mão, segundo um levantamento feito pela SRSS no ano passado. O percentual sobe para 11% entre americanos não brancos.
“A proposta de lei não faria nada para proteger nossas eleições, mas tornaria muito mais difícil para todos os americanos elegíveis se registrarem para votar e aumentaria o risco de que eleitores elegíveis sejam removidos das listas de eleitores”, disse a Casa Branca em nota.
O projeto foi aprovado na Câmara, dominada por republicanos, em julho, mas sem nenhuma perspectiva de passar no Senado, dominado por democratas. Johnson, então, inseriu a proposta dentro de um projeto de lei para estender o financiamento do governo federal -medida necessária para evitar uma paralisação da máquina.
A estratégia, porém, fracassou na última semana, diante da recusa de parte dos republicanos ao lado fiscal do pacote.
Enquanto isso, estados se adiantam ao Congresso e têm adotado exigências por conta própria. O principal exemplo é o Arizona, um dos sete campos de batalha da eleição presidencial deste ano, vencido por Joe Biden por uma diferença de apenas 10.457 votos em 2020.
Uma lei aprovada em 2022 ampliou as exigências de prova de cidadania para eleitores do estado em pleitos municipais, estaduais e federais. Após uma batalha legal que chegou na Suprema Corte no mês passado, o Arizona foi autorizado a recusar o registro de eleitores que não apresentem o documento em todos os pleitos, exceto o federal.
Assim, há duas classes de eleitores no estado, com formulários específicos. “Minha preocupação é que mudanças no processo não deveriam ocorrer tão perto assim da eleição. Isso gera confusão nos eleitores”, disse o secretário de estado do Arizona, Adrian Fontes, do Partido Democrata.
A Carolina do Norte também vai exigir pela primeira vez documento com foto do eleitor. A regra à primeira vista parece simples, mas é um desafio diante do número significativo de americanos que não possui uma identificação adequada, como carteira de motorista atualizada.
Segundo levantamento da SRSS, o problema afeta 15% do eleitorado total, 18% do hispânico, 31% do jovem e 21% do mais pobre.
Estados também têm feito varreduras em seus registros de eleitores -e expurgando erroneamente cidadãos. O Alabama, por exemplo, anunciou a remoção de 3.251 pessoas por supostamente não terem direito ao voto. Um processo foi aberto na sexta-feira (13) contra o secretário de estado e o procurador-geral, acusados de perseguir americanos naturalizados.
Organizações da sociedade civil conservadoras também têm promovido campanhas para expurgar supostos não cidadãos dos registros eleitorais de diversos estados.
Um desses grupos é o True the Vote, que criou um aplicativo, chamado IV3, que permite ao usuário verificar registros eleitorais e encaminhar suspeitas para autoridades locais. Críticos da iniciativa, porém afirmam que ela usa bancos de dados desatualizados, levando a questionamentos sem base legal que resultam, na melhor das hipóteses, em perda de tempo e, na pior, na remoção incorreta de cidadãos.
FERNANDA PERRIN / Folhapress