SÃO CARLOS, SC (FOLHAPRESS) – O prefeito que precisou enfrentar a transformação de São Paulo numa zona de guerra em 1924 era um pacato membro da elite cafeeira da época, amante do hipismo e casado com a filha de um conde.
Firmiano de Morais Pinto (1861-1938) acabou colaborando com militares revoltosos para tentar minimizar os danos do levante que tomou a cidade durante seu mandato e chegou a ser acusado de traidor pelo governo federal, embora a Justiça o tenha absolvido.
Antes de sua gestão como prefeito da capital, entre 1920 e 1926, Firmiano tinha passado a maior parte da vida em São Paulo, onde se formou em direito no fim do governo imperial.
Nascido em Itu e descendente de militares, foi juiz em Limeira ainda durante o Império e, pouco depois, gerenciou o Banco União de São Carlos a pedido do sogro, Antônio Carlos de Arruda Botelho, o conde de Pinhal.
Após a proclamação da República, Firmiano foi conquistando influência crescente no mundo da política, sendo eleito deputado federal mais de uma vez e atuando como secretário estadual da Agricultura no governo de Campos Salles, que se tornaria presidente mais tarde.
Dando continuidade a uma estratégia que já tinha sido empregada pelos produtores de café paulistas desde o reinado de dom Pedro 2º, ele estimulou a vinda de imigrantes europeus como mão-de-obra agrícola para o estado. Na década de 1910, atuou ainda como representante de São Paulo em Paris.
Firmiano chegou à prefeitura paulistana graças ao apoio de Washington Luís (outro cacique da República Velha também eleito, mais tarde, para a Presidência), que fez dele seu sucessor no comando da capital.
Seu trabalho como prefeito se caracterizou pelos investimentos em planejamento urbano e infraestrutura, numa cidade que ainda tinha apenas cerca de 700 mil habitantes, sendo a segunda mais populosa do país, só atrás do Rio de Janeiro. Mas estava crescendo rapidamente.
Foi durante seus mandatos, por exemplo, que a prefeitura adquiriu o terreno em que seria criado o Cemitério São Paulo. Desmembrou propriedades rurais que dariam origem a bairros como Jardim Europa e Vila Matilde.
Firmiano também foi um dos principais responsáveis pela canalização do rio Tamanduateí, com obras na avenida do Estado e o planejamento para a abertura do que seria a avenida 9 de Julho. Formulou o projeto para a construção do Mercado Municipal e criou a praça do Patriarca.
Os planos urbanísticos de Firmiano, porém, tiveram de ficar de lado a partir da madrugada do dia 5 de julho de 1924, um sábado.
Sob a liderança de um general da reserva do Exército, Isidoro Dias Lopes, e de uma série de jovens oficiais, como Joaquim Távora e Eduardo Gomes, que já tinham se rebelado antes contra o governo da República, militares e policiais revoltosos começaram a tomar o controle da capital.
Os responsáveis pela quartelada, mais tarde classificados como membros do chamado movimento tenentista, consideravam que o governo do presidente Arthur Bernardes era corrupto e ilegítimo, tendo subido ao poder por meio de eleições fraudadas (o que, de fato, tinha acontecido). Os “tenentes” queriam tirar Bernardes da Presidência e instituir uma série de reformas tecnocráticas e democratizantes, entre elas o voto secreto.
Durante alguns dias, combates entre os rebeldes de Dias Lopes e forças legalistas prosseguiram em torno do Palácio dos Campos Elíseos, então sede do governo estadual, e outros locais da cidade. No dia 9 de julho, porém, o governador Carlos de Campos e seus principais assessores resolveram abandonar São Paulo, e o município ficou nas mãos dos “tenentes”.
Firmiano, contudo, decidiu permanecer na cidade. Entrou em cena então o presidente da Associação Comercial, José Carlos de Macedo Soares, que ajudou a intermediar negociações entre o prefeito e a chefia do levante. “Devo entender-me com os chefes revoltosos?”, teria questionado Firmiano segundo o livro “Tenentes: A Guerra Civil Brasileira”, do jornalista Pedro Dória.
No primeiro encontro com o prefeito, o general Dias Lopes manifestou interesse em trabalhar junto com Firmiano. “Venho solicitar a Vossa Excelência a honra de sua colaboração no exercício do cargo”, disse o militar golpista.
O prefeito aceitou e emitiu decretos para tentar garantir o policiamento e o abastecimento da cidade já perto de ficar sob sítio, e na qual já começavam a ocorrer saques.
O caráter contemporizador de Firmiano, no entanto, não contava com a intransigência militar do governo federal. O presidente Arthur Bernardes e seus generais estavam dispostos a bombardear São Paulo, sem poupar a população civil, para forçar a rendição dos rebeldes.
Pedidos de trégua enviados pelo prefeito e pelo arcebispo de São Paulo, dom Duarte Leopoldo, foram rechaçados diversas vezes. Firmiano chegou a viajar para o Rio em 24 de julho para tentar uma saída negociada, mas voltou de mãos abanando, segundo o livro “São Paulo Deve Ser Destruída”, do jornalista e historiador Moacir Assunção.
O levante terminou na noite do dia 27, com a retirada dos revoltosos em trens que saíram da Estação da Luz. Mais de 500 moradores tinham morrido.
Depois de se livrar das acusações de colaboracionismo, Firmiano voltou a se eleger deputado federal duas vezes, mas não tomou posse na segunda eleição por causa do golpe que levou Getúlio Vargas à Presidência em 1930. Morreu na capital aos 77 anos.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress