Qualidade do café é ameaçada com seca que já chega a 150 dias em regiões produtoras

A aridez pode diminuir a safra e a qualidade dos grãos

Região produtora de Pedregulho-SP foi afetada por incêndios | Foto: João Carlos Borda (Grupo Thathi)

A forte escassez hídrica vivida neste ano em regiões produtoras de café causou a perda de folhas, que murcharam, e ameaça até provocar a morte de plantas em lavouras de Minas Gerais e São Paulo, que concentram 67% da produção brasileira. A aridez pode diminuir a safra e a qualidade dos grãos.

Principal produtor do mundo, o Brasil sofre com a seca em suas áreas de produção, que chega a 150 dias em algumas regiões, e vê concorrentes também sofrerem, como o Vietnã, que poderá ter sua safra reduzida em 10% devido ao calor.

Os incêndios registrados em áreas de produção desde a segunda quinzena de agosto, embora sejam apontados como localizados, também contribuem para pressionar os preços.

Coordenador do departamento de geoprocessamento da Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé), Guilherme Vinícius Teixeira disse que a crise hídrica tem feito com que as lavouras sejam submetidas, além da seca, ao estresse térmico —devido às altas temperaturas e à grande amplitude térmica (diferença, em graus, entre as temperaturas mínima e máxima em um dia).

“Praticamente estamos com 150 dias somados a partir de março sem registro significativo de volumes de chuva. As plantas estão ativando sistemas de defesa fisiológica, perdendo folhas e murchando. Em casos mais severos e lavouras depauperadas, está ocorrendo a redução do metabolismo das plantas, paralisando os processos fisiológicos importantes, podendo até chegar à morte”, disse.

Em agosto, conforme o coordenador, foi registrada queda de temperatura, causando geadas de média a alta intensidade, de forma pontual, e rajadas de vento, que acarretam necrose de tecidos vegetais. A cooperativa, a maior do país, reúne mais de 20 mil cooperados, 97% deles pequenos produtores.

“A continuidade das condições climáticas desfavoráveis poderá acarretar perdas consideráveis na safra 2025. É necessário o retorno das condições hídricas e térmicas favoráveis para a retomada do metabolismo das plantas que, por consequência, originará a florada, permitindo melhor acompanhamento da safra”, disse.

Segundo ele, as áreas usadas para a cultura na região de atuação da cooperativa – sul de Minas, cerrado mineiro, matas de Minas e Vale do Rio Pardo (SP) -, por serem de maiores altitudes e distantes de rodovias, têm menor risco de sofrerem com incêndios, diferente de culturas como a cana, que geram muito volume como palha.

Assim como na área de atuação da cooperativa, uma análise do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, mostra que os incêndios registrados na Mogiana paulista causaram perdas pontuais, sem prejuízo significativo ao setor como um todo. Mas provocaram danos como o sofrido pelo cafeicultor José de Alencar Junior, que perdeu três hectares de produção em Pedregulho (SP), o equivalente a cerca de R$ 360 mil.

“O maior problema continua sendo a falta de umidade, o que tem preocupado produtores quanto à oferta para a próxima safra. O clima adverso vem se arrastando desde os efeitos do El Niño, no segundo semestre do ano passado, afetando a produção nacional de café, que está abaixo do esperado”, diz a análise do centro.

Os problemas climáticos fizeram com que a SIC (Semana Internacional do Café), feira referência no setor e que acontecerá em novembro, em Belo Horizonte, adotasse como tema “Como o clima, a ciência e os novos consumidores estão moldando o futuro do café”.

“A gente sempre busca escolher um tema que ajude a canalizar a informação e levar uma mensagem forte para os atores da cadeia. O clima e a sustentabilidade, de uma forma transversal, já estiveram presentes nos últimos três, quatro anos, mas neste ano colocamos a palavra no tema principal, pela urgência”, disse Caio Alonso Fontes, diretor da Espresso&CO e um dos realizadores da SIC.

Segundo ele, o clima será protagonista em discussões, por exemplo, que envolvam qualidade do café, abastecimento e produtividade. “Ele está presente em todas as questões e é preciso discutir essa urgência e técnicas. O mercado precisa de organizar para atacar essa frente, já que não há muito como arrumar da noite para o dia o clima. Ele está aí e teremos de saber surfar isso.”

Na edição do ano passado da SIC, o empresário Pedro Lima, presidente do grupo Três Corações, maior indústria de café do país, disse à reportagem que o calor é uma preocupação de toda a cafeicultura e poderá fazer com que a atividade sofra nova migração no país no futuro —em busca de áreas mais propícias.

A SIC recebeu mais de 20 mil visitantes de 30 países em 2023 e movimentou R$ 55 milhões em negócios na capital mineira.

MARCELO TOLEDO / Folhapress