Apostas viraram problema social grave, e governo fará pente-fino para regulamentar medidas, diz Haddad

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou nesta terça-feira (17) que a dependência psicológica em apostas se tornou um problema social grave e que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fará um pente-fino para regulamentar as medidas para enfrentá-lo.

“[A regulamentação] tem a ver com a pandemia que está instalada no país e que nós temos que começar a enfrentar, que é essa questão da dependência psicológica dos jogos”, disse Haddad.

“O objetivo da regulamentação é criar condições para que nós possamos dar amparo. Isso tem que ser tratado como entretenimento, e toda e qualquer forma de dependência tem que ser combatida pelo Estado”, acrescentou.

Em janeiro, pesquisa Datafolha revelou que 15% dos brasileiros dizem fazer ou já ter feito apostas esportivas online. O gasto médio mensal entre o total de pessoas que apostam é de R$ 263 —equivalente a 20% do salário mínimo de 2023. Três em cada dez apostadores afirmam gastar mais de R$ 100 por mês, mostrou o levantamento.

O ministro reforçou que discussões relativas a endividamento, uso do cartão de crédito para apostas, publicidade e patrocínio de bets serão analisadas com rigor pela pasta.

“Tudo isso vai passar, nessas próximas semanas, por um pente-fino bastante rigoroso, porque o objetivo da lei é fazer o que não foi feito nos quatro anos do governo anterior. Isso virou um problema social grave e nós vamos enfrentar esse problema adequadamente”, disse.

O presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Sidney, defende que a proibição do pagamento com cartões de crédito em bets, prevista para janeiro de 2025, seja adiantada. A modalidade é a mais utilizada ao se fazer apostas online no Brasil.

Segundo pesquisa da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), dois a cada dez usuários de apostas online usariam o dinheiro gasto com bets para pagar contas básica. O dinheiro seria direcionado a gastos com lazer e entretenimento para 41%, enquanto outros 12% admitiram que usariam o recurso para comprar alimentos.

O cenário atual no país é de epidemia de dependência em jogos, de acordo com pesquisadores que estudam o assunto.

“Nosso objetivo aqui é tratar desse assunto com a cautela devida, a distância entre entretenimento e a dependência nesses casos é muito tênue, e nós precisamos saber lidar com isso”, afirmou Haddad. “A regulamentação ficou toda pronta no final de junho e nós estamos, portanto, autorizados para agir.”

Como mostrou a Folha de S.Paulo, durante a elaboração das regras para o mercado de apostas, funcionários do alto escalão da Fazenda responsáveis pelo tema se reuniram 251 vezes com bets ou associações que as representavam. Já os profissionais da área da saúde foram ouvidos em cinco ocasiões.

EMPRESAS DE APOSTAS NÃO AUTORIZADAS SERÃO SUSPENSAS A PARTIR DE OUTUBRO

O Ministério da Fazenda informou nesta terça que as empresas de apostas de quota fixa –as bets– que ainda não solicitaram autorização para funcionamento no país terão as operações suspensas a partir de 1º de outubro.

Até dezembro, apenas empresas que já pediram permissão para a Secretaria de Prêmios e Apostas da Fazenda poderão continuar atuando em território brasileiro. A medida consta em uma portaria publicada no DOU (Diário Oficial da União) desta terça.

As bets que não pediram permissão serão classificadas como ilegais a partir do mês que vem até que obtenham autorização da Fazenda. Quem já solicitou a licença e ainda não estava atuando terá que aguardar para iniciar as operações em janeiro, se obtiver liberação da pasta.

“Têm vindo à tona muitas operações policiais envolvendo empresas que atuam no mercado de apostas de forma criminosa. Essa foi a forma que encontramos de não aguardar até janeiro para começar a separar o joio do trigo”, disse em nota o secretário de Prêmios e Apostas da Fazenda, Regis Dudena.

“Queremos proteger a saúde mental, financeira e física do apostador, coibindo a atuação de empresas que utilizam as apostas esportivas e os jogos online como meio de cometer fraudes e lavagem de dinheiro”, complementou.

Foram feitos 113 pedidos de outorga, que podem render ao governo R$ 3,3 bilhões —cada licença custa R$ 30 milhões— na primeira fase de licenciamento.

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JOGO RESPONSÁVEL

Em agosto, o Ministério da Fazenda definiu regras de “jogo responsável” para o mercado de apostas, com objetivo de mitigar vício e endividamento excessivo. A pasta definiu em outras duas portarias como será a fiscalização e as penalidades em caso de infração, que incluem multa de até R$ 2 bilhões. Veja mais abaixo:

Os objetivos das regras de jogo responsável são:

– Prevenir a dependência e transtornos do jogo patológico

– Garantir a proibição de apostas por crianças e adolescentes

Isso será feito por meio de:

– Campanhas educativas direcionadas a diferentes públicos

– Alertas periódicos do risco de vício

– Transparência nas taxas de retorno de cada jogo

– Oferta de mecanismos de limite de aposta por tempo ou de bloqueio de acesso programado a plataforma

– Monitoramento de comportamento possivelmente nocivo de jogadores

– Solicitação de autoexclusão da plataforma

– Suspensão do uso do sistema de apostas pelos apostadores em risco alto de dependência

– Proibição de parcerias ou convênios para facilitar acesso a crédito por parte do apostador

– Manter ouvidorias para familiares e apostadores

O site de apostas deve vedar acesso ao jogo a:

– Menores de 18 anos

– Proprietários, administradores, diretores ou pessoas com influência significativa sobre a bet

– Agente público ligado a regulação de apostas

– Pessoa com informações privilegiadas ou que tenha influência real sobre o evento que é tema da aposta (no caso do esporte, por exemplo, isso envolve jogadores, técnicos, dirigentes e árbitros)

– Pessoa diagnosticada com ludopatia por laudo médico

– Pessoas impedidas de apostar por decisão judicial ou administrativa

REGRAS DE PROPAGANDA E MARKETING

Toda publicidade sobre aposta deverá seguir as normas de jogo responsável e adotar linguagem clara, que destaque a proteção dos menores de idade.

O uso da palavra “grátis” fica permitido apenas quando não houve chance de prejuízo para o apostador.

Ficam proibidos anúncios que:

– Sugiram obtenção de lucro fácil ou associem a ideia de aptidão a apostas

– Apresentem a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações

– de personalidades conhecidas ou de celebridades nesse sentido

– Encorajem práticas excessivas de apostas

– Contenham frases convocatórias como “aposte agora”

– Apresentem a aposta como prioridade na vida

– Estabeleçam elo entre aposta e sucesso pessoal ou financeiro

– Vinculem apostas a comportamentos ilegais ou discriminatórios

– Contenham informação falsa ou enganosa

– Liguem apostas a locais de atendimento médico, psicológico, destinos frequentes de menores de idade ou instituições de ensino

– Veiculem afirmações enganosas sobre a chance de ganhar

– Promovam apostas como meio para recuperar os valores perdidos

– Ofendam tradições culturais ou religiosas contrárias à aposta

– Apresentem a aposta como alternativa ao emprego ou forma de investimento

– Circulem em programas ou meios, cujo o públicos-alvo seja crianças e adolescentes

– Utilizem imagens de crianças e adolescentes ou elementos apelativos para menores de idade

– Usem mensagens de cunho sexual ou parta da objetificação de atributos físicos

Os materiais publicitários serão obrigados a:

– Exibir cláusulas de advertência de restrição etária, com o símbolo “18+”

– Advertir sobre o risco de dependência e transtornos de jogo patológico

Essas cláusulas também devem constar em bilhetes impressos, sites, aplicativos e até em disparos em aplicativos de mensagem como WhatsApp feitos por afiliados de bets.

As bets e plataformas de apostas não cadastradas no Ministério da Fazenda ficam proibidas de divulgar publicidade.

Após notificação de irregularidade pela SPA:

– Empresas que ofereçam serviço de publicidade na internet, como as redes sociais, terão de excluir anúncios

– Provedores de internet deverão bloquear sites ou excluir aplicativos

– Lojas de aplicativos como Play Store e App Store também terão de excluir aplicativos de sua lista de ofertas

A SPA manterá um canal para receber denúncias dos cidadãos.

REGRAS PARA PROMOÇÕES

Quem opera jogos de apostas tem permissão dar prêmios e recompensas para quem joga, desde que se adeque aos critério abaixo.

As regras para ganhar esses prêmios precisam ser detalhadas e citadas nos termos e condições do jogo.

Fica vedado:

– Demandar que pessoa gaste dinheiro para ganhar um prêmio

– Dar adiantamentos ou bônus antes da aposta ser registrada, mesmo se for só para promover o jogo

– Exigir que a pessoa deposite mais dinheiro para receber um prêmio

Tudo isso deve ser registrado pelo operador do jogo, para futuras prestações de conta.

Sorteios de prêmios terão de estar adequados a lei 5.768 de 1971.

NATHALIA GARCIA / Folhapress

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