SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – Ana Marcela Cunha, 32, acumula um já longo e conhecido histórico de resiliência na carreira.
Pouco antes dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, a nadadora baiana descobriu uma doença autoimune que destruía a produção de plaquetas sanguíneas em seu corpo.
Participou da competição controlando a dor com um medicamento à base de corticoide, autorizado pela Wada (Agência Mundial Antidoping). Meses depois, foi submetida a uma cirurgia para retirada do baço.
Em 2018, confirmou o quarto título do circuito mundial de maratonas aquáticas ao nadar a etapa de Abu Dhabi com uma água viva grudada no rosto, causando consideráveis queimaduras.
Após o sonhado ouro olímpico nos Jogos Olímpicos de Tóquio, realizados em 2021, passou por novo procedimento cirúrgico para correção de um tendão rompido e outro lesionado no ombro esquerdo. Retornou antes do previsto, em cinco meses.
Nos Jogos de Paris, neste ano, chorou na entrevista concedida logo após ter terminado a prova na quarta colocação, demonstrando estafa e assumindo ter cogitado parar. Também não assegurou presença na próxima edição olímpica, em 2028, em Los Angeles.
“Aprendi muito ao longo desses anos sobre vulnerabilidade e não tenho o que esconder. Sempre vou querer ganhar, não existe outra tentativa, mas mostrar minha fragilidade também foi importante. Atletas precisam de acolhimento. Não tenho que viver o tempo todo regrada”, disse.
Obstinada por conquistas e recordes, ela ainda considera ter fôlego para mais –embora trate com cuidado o assunto.
“O gás vai acabando, mas a minha chama ainda está bastante acesa, ou já teria parado. É algo que precisamos para o alto rendimento. Saí [de Paris-2024] querendo voltar para ganhar outra medalha. Não sei se vou ter mais um ciclo, mas, por enquanto, continuo querendo. No meu esporte há mais longevidade, a Poliana é um bom exemplo”, afirmou.
Poliana Okimoto conquistou nos Jogos do Rio, aos 33 anos, a medalha de bronze. Ana Marcela terá 36 nos Jogos de Los Angeles, em 2028.
“Seria o meu sexto ciclo olímpico, a quinta Olimpíada. Há um longo caminho ainda. Às vezes, eu me sinto velha porque completo em breve a maioridade [21 anos] de seleção absoluta [de natação], o que é muito tempo. E isso no topo do mundo, o que faz tudo mais desgastante”, observou.
A decisão da atleta em nadar mais uma edição dos Jogos Olímpicos ainda não está tomada e dependerá de performance nos próximos anos.
Em entrevista em dezembro de 2018, ela previu o fim da vida útil como atleta já em Tóquio. Horas após a conquista da medalha no Japão, porém, contava por telefone ao pai George Cunha os planos para Paris.
No último dia 19, durante uma homenagem da Universidade Santa Cecília (Unisanta) aos atletas que estiveram na França, o presidente da instituição, Marcelo Teixeira, fez-lhe uma provocação.
“A Ana Marcela Cunha vai para mais um ciclo olímpico”, afirmou.
A atleta abriu um sorriso amarelo na plateia, gesticulando não saber. Teixeira emendou: “Vai, sim”.
“Ele fala porque sabe até onde posso chegar, porque acredita. Enquanto estiver bem no alto rendimento, brigando e tendo resultados, vou querer permanecer no esporte. Hoje, vivo passo a passo porque 2028 ainda é longe. São muitos dias, muitos passos. Ainda tenho três etapas da Copa do Mundo só neste ano”, afirmou.
O “sim” para um possível adeus nos Estados Unidos daqui a quatro anos ainda passa por uma reflexão durante uma pausa que pretende fazer.
“Quero ir direto até o Mundial do ano que vem e, aí, sim, tirar férias. Não sei ainda quais serão as competições seletivas e quantas vagas. Então, vou dar um break no ano que vem ou em 2026, que deve ser um ano mais morto, para pensar no planejamento. Estou deixando ir, sem data de aposentadoria.”
KLAUS RICHMOND / Folhapress