Fogo subterrâneo em Brasília dribla rios, mata árvores pela raiz e solo queima pata de animais

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Parte do fogo que persiste no Parque Nacional de Brasília (DF), chamado de Água Mineral, se concentra nas matas de galerias, em turfas, e são incêndios subterrâneos de difícil combate, que podem passar por baixo de rios e destruir árvores pela raiz.

A reportagem visitou um desses locais nesta quarta-feira (18), onde a prioridade dos bombeiros e brigadistas é evitar que a queimada se aproxime da represa Santa Maria, que abastece de água quase metade do Distrito Federal.

O risco ao reservatório, por enquanto, é pequeno. As equipes dos bombeiros e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade) afirmaram que os incêndios seguem controlados e caminhando para a extinção.

O fogo subterrâneo acontece com a queima de matéria orgânica acumulada em camadas abaixo da terra.

As chamas começaram no domingo (15) e cresceram rapidamente na segunda-feira (16), quadruplicando de tamanho e se espalhando em quatro frentes diferentes.

A área queimada do parque até aqui é de quase 1.500 hectares –o número foi recalculado, agora com uso de imagens de satélite novas e mais precisas que as estimativas iniciais.

Ainda existem duas frentes ativas, mas a fumaça que cobriu parte da cidade de Brasília nos últimos dias deve começar a se dissipar.

Não há registro de animais mortos. A reportagem presenciou o momento em que uma anta foi encontrada por brigadistas do ICMBio, com as patas queimadas, em uma dessas regiões de fogo subterrâneo.

Estes incêndios, chamados de incêndios de turfa, são comuns no Pantanal, mas também acontecem nas matas de galeria do cerrado e são difíceis de combater porque podem arder por dias e até semanas no subsolo, sem serem detectados na superfície, a olho nu.

“Esse tipo de incêndio é muito perigoso. Pelo menos ele é mais lento [para se alastrar que os da superfície], mas é muito difícil de conseguir conter”, afirmou o sargento Pires, do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal.

A expectativa é que o trabalho nesses locais ainda dure cerca de sete dias, se a situação se mantiver como está, mas há casos em que o cenário se prolonga por semanas.

Um bombeiro relatou que, no Canadá, essa queima sobrevive meses debaixo da terra, mesmo sob a neve, e depois ressurge. Por isso, mesmo sem grandes indícios de fogo, as brigadas precisam manter o monitoramento no local.

A vegetação de galeria fica à beira dos rios e é muito mais sensível ao calor, por exemplo, que o cerrado. Sua destruição ameaça a existência de bacias hidrográficas e, portanto, de todo o ecossistema ao seu redor –agentes do parque já projetam que ações de regeneração da mata serão necessárias após os incêndios.

São áreas de muita matéria orgânica, que decompõe e forma camadas sob a terra, as turfas, ricas em substâncias inflamáveis, inclusive gases.

Quando uma chama atinge esse material, ele queima por debaixo da terra, praticamente invisível e com um fogo baixo, como uma brasa ardente, até que encontre um escape para a superfície.

Por isso, os brigadistas focam o combate em pontos de fumaça, locais onde o incêndio pode escapar. Se atinge a copa das árvores, dizem, as chamas se alastram rapidamente.

As equipes de bombeiros também usam câmeras térmicas, inclusive com drones, para tentar detectar áreas de calor onde o fogo pode se esconder da vista nua.

O combate nessas regiões funciona 24 horas. À noite, a temperatura mais baixa facilita a extinção das chamas e, no escuro, é mais fácil encontrar brasas queimando.

Há equipes nestas áreas desde o primeiro dia do incêndio. Pela gravidade da situação, as alimentações são feitas no local. Alguns agentes dormem em campo e outros são responsáveis por recolher o lixo.

De noite também é possível encontrar o fenômeno que um bombeiro apelidou de árvore de natal: o fogo subterrâneo começa pelas raízes e sobe pela árvore, rajando seu tronco em brasas.

Outras vezes, as chamas matam a planta apenas queimando sua raiz –ela apodrece aos poucos, até que cai.

As turfas podem ter vários metros de profundidade.

Foi por baixo da terra, por exemplo, que o fogo conseguiu “dar um olé” nas equipes de combate, nas palavras de um brigadista ouvido pela reportagem.

Os agentes haviam definido um perímetro de ação, cercado de um dos lados por um rio. A queimada, porém, passou por debaixo da água e começou um novo foco de incêndio na margem oposta ao limite da zona de combate.

Nas regiões de fogo de turfa, por vezes cinzas se acumulam na superfície e o solo fica encoberto por uma névoa fina e baixa, com vários pequenos pontos de fumaça espalhados pela região.

Mesmo nas áreas molhadas com mangueiras, a água tem dificuldade para penetrar no subsolo –cavando com a mão, em poucos centímetros se alcança camadas secas de matéria orgânica prontas para queimar.

Os brigadistas por vezes usam o buraco das raízes como caminhos para fazer a água chegar debaixo da terra.

JOÃO GABRIEL E GABRIELA BILÓ / Folhapress

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