SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nova mania na periferia de São Paulo, as armas de plástico que disparam munições de gel são vendidas aos montes no comércio popular de rua e em lojas virtuais isso apesar de ações da polícia para tentar conter o uso do equipamento.
Na rua 25 de Março, no centro de São Paulo, o simulacro pipoca de mãos em mãos, concorrendo com camisas falsas de clubes de futebol e outras bugigangas vendidas há décadas no local. Tudo sob vigilância de policiais militares da Operação Delegada, que atua contra o comércio irregular.
A alta procura tem resultado na inflação dos preços. Um vendedor ambulante contou que o objeto custava R$ 40 há um mês. Hoje, ele vende réplicas coloridas ou camufladas de fuzil por R$ 250. Uma peça maior pode passar de R$ 300. Segundo ele, as armas são compradas por cerca de R$ 120 e são feitas na China.
Um outro camelô, que também preferiu não se identificar, afirmou que consegue vender 50 peças em poucas horas.
Grupos formados por adultos e crianças têm se encontrado na periferia para a brincadeira no estilo paintball de rua. Munidos das armas, eles se enfrentam entre a noite e a madrugada em disputas com balas de gel como munição.
A febre começou na e já chegou a zona leste. Com isso, o valor do equipamento também subiu na internet, No Mercado Livre, por exemplo, era comum encontrar no início da semana produtos a pouco mais de R$ 100. Agora, partem de R$ 200 e chegam a custar mais de R$ 300 a depender do tamanho da arma e a quantidade de munições.
As balas são vendidas em pequenos grãos azuis dentro de envelopes transparentes, que precisam ser colocadas na água para crescerem. As munições podem ser adquiridas em separado, e 5.000 custam cerca de R$ 30.
A curiosidade sobre o equipamento leva homens e mulheres a pararem nas bancas de vendas. A maioria sai de mãos vazias assim que fica sabendo o preço. Uma espécie de silenciador na ponta é responsável por emitir som semelhante a tiros. A arma, que é elétrica, é recarregada através de USB.
A pedido um disparo foi feito à queima-roupa na palma da mão do repórter, que pode confirmar que os tiros causam dor com o impacto. Diante dos riscos de ferimento nos olhos, um óculos de proteção acompanha os kits vendidos na 25 de Março.
Uma das pessoas interessadas na arma era o motoboy Junior Santos, 20. Ele negociava com os vendedores a arma e as munições. “É uma brincadeira. A criança fica dentro de casa. Na minha época as arminhas eram de feijão. É uma forma de sair de dentro de casa”, disse ele.
Três amigos adolescentes deixaram o bairro de Lauzane Paulista, na zona norte, em busca dos equipamentos. Um dos meninos afirmou que comprariam para brincar no condomínio ou na rua.
Um homem de 44 anos disse ter comprado a arma para o filho de 7 anos. Mas a criança só vai poder usar o equipamento em casa, sem sair.
Consultor sênior do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani disse que as armas de gel tecnicamente se enquadram como armas de pressão. “O Brasil já registrou diversos casos de ferimentos graves e até mortes causados por esse tipo de armamento. Por esses motivos, a polícia tem justificativas para apreender essas armas, especialmente quando usadas em vias públicas”.
Ele disse que um decreto de 2019 de Jair Bolsonaro (PL) diminuiu a fiscalização sobre as armas de gel, que cabe ao Exército. Parte dessas atribuições foi reestabelecida por Lula (PT) em 2023.
Langeani explica que quem vende ou importa o equipamento precisa de um Certificado de Registro quem compra a arma de gel, porém, não precisa registrá-la. Também não é necessário ter porte ou posse para adquirir o equipamento.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, porém, proíbe que menores de 18 anos tenham acesso a essas armas. “O Estatuto também proíbe a importação, comercialização e uso de armas de brinquedo, réplicas ou simulacros. Essas armas são frequentemente utilizadas em assaltos, sendo escolhidas por criminosos justamente por sua aparência”, disse Langeani.
Em uma publicação a Secretaria da Segurança Pública alertou para os riscos da brincadeira na rua. Segundo a pasta, devido à semelhança com pistolas reais, o objeto pode assustar a população e causar acidentes.
Uma bebê de sete meses, que estava no colo da mãe, foi atingida na testa durante uma tiroteio entre meninos na zona sul. Ambas não participavam da brincadeira, segundo uma tia da criança. Há ainda relatos de pessoas atingidas em pontos de ônibus por grupos em carros e motos.
Ao menos cinco boletins de ocorrência foram registrados entre o final de agosto e esta semana. Na terça-feira (10) PMs detiveram 18 pessoas durante uma confusão no Jardim São Luis, na periferia da zona sul. Na soma, 20 armas foram apreendidas na cidade com base no Estatuto do Desarmamento.
Na noite de quarta-feira (11) policiais militares abordaram uma dupla em uma moto que estaria em posse de uma arma de gel. Uma gravação em vídeo mostra o momento em que um PM pega a arma no chão e atira contra os ocupantes da moto, que já estavam rendidos. O caso ocorreu em Carapicuíba, na Grande São Paulo.
PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress