Marginalização de mulheres trans e travestis ainda é uma realidade no acesso à saúde

O estudo acompanhou 1.317 participantes em cinco capitais brasileiras e os resultados concluíram que o uso de hormônios não prescritos é alto entre mulheres trans e travestis, principalmente entre as mais jovens

A abordagem com pessoas trans deve ser feita de forma mais cautelosa, com o intuito de evitar a reprodução de preconceitos e estereótipos | Arte sobre fotos de Tânia Rego e Tomaz Silva/Agência Brasil e Viajabi!

Transgêneros são indivíduos cuja identidade de gênero difere do seu sexo atribuído ao nascer. Apesar de certos avanços, tanto no preconceito quanto no atendimento nos serviços de saúde, análises mostram que mulheres trans ainda são marginalizadas pela medicina. Publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia, um estudo revelou que mulheres trans e travestis, devido à falta de acesso a médicos e ao medo de discriminação, estão utilizando hormônios sem prescrição prévia. O estudo acompanhou 1.317 participantes em cinco capitais brasileiras e os resultados concluíram que o uso de hormônios não prescritos é alto entre mulheres trans e travestis, principalmente entre as mais jovens.

A abordagem com pessoas trans deve ser feita de forma mais cautelosa, com o intuito de evitar a reprodução de preconceitos e estereótipos. Sobre esse assunto, o médico psiquiatra Daniel Mori, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, discorre sobre a falta de preparo dos médicos para receber e tratar pacientes trans. “O que acontece é que, apesar de protocolos de hormonioterapia para pessoas trans já existirem na literatura científica há muitos e muitos anos, só há pouquíssimo tempo é que se tenta incluir esse tipo de ensinamento nas faculdades de medicina ou nas faculdades de profissionais da saúde no geral. Então, a realidade é que são poucos médicos e poucas especialidades que detêm o conhecimento. São poucos profissionais que têm ali o interesse, a vontade de buscar o conhecimento, e muitos não tiveram contato com esse tipo de assunto durante a formação durante a faculdade. O que a gente vê na realidade é uma dificuldade de acesso ao serviço de saúde já com medo por conta do profissional não saber absolutamente como abordar, como prescrever, como fazer o acompanhamento”, afirma.

Preconceito

Um dos fatores principais que levam pessoas trans a optar por tratamentos clandestinos é o medo de sofrer algum tipo de discriminação. “A falta de conhecimento do profissional é uma barreira no acesso à saúde, a falta de serviços especializados também é uma barreira no acesso ao serviço de saúde – nem todos os locais, e eu diria que a minoria dos locais, estão prontos e aptos a receber uma pessoa trans de maneira humana, de maneira respeitosa, e sabendo dos direitos das pessoas trans atualmente. A realidade é que, durante muitos e muitos anos, qualquer pessoa trans que chegasse em um serviço de saúde corria um risco enorme de ser discriminada”, explica Mori.

“Desde segurança na entrada até a recepção, até a ficha de cadastro, foi uma luta para se conseguir colocar o nome social nos registros públicos, nos registros do serviço de saúde. É relativamente recente que qualquer pessoa trans pode, sim, colocar o seu nome social e o nome que prefere ser identificada na carteirinha do SUS, mas até a gente conseguir esse ganho muita gente foi discriminada. Então existe esse medo de se chegar em um serviço de saúde e ser maltratado, não ser chamado pelo nome que você prefere, não ser chamado pelos pronomes pelo qual você prefere, e aí chegar no profissional de saúde e ainda ter a sua identidade de gênero desqualificada, desacreditada ou até desencorajada”, acrescenta Mori.

A saúde mental da pessoa trans também deve ser levada em consideração. O médico explica que o preconceito muitas vezes é sentido dentro de casa, o que pode agravar as chances de o indivíduo desenvolver algum transtorno mental. “ Vários estudos já mostram que preconceito dentro de casa, ou algum tipo de estigma, em alguns casos mais graves – expulsão de casa no momento de se falar sobre gênero, sobre sexualidade – aumentam em sete a dez vezes os índices de transtorno mental. Aumenta a possibilidade do indivíduo até cometer suicídio. O mais importante para a família, e que protege a saúde mental desses indivíduos, é o acolhimento, é tratar com respeito, é tentar entender com essa criança, com esse adolescente, ou até com o jovem adulto mesmo, sobre o que está falando, e como é que pode buscar ajuda e, no caso de buscar ajuda, ir junto”, expõe.

Daniel Mori conclui reiterando a importância de possuir um médico de confiança para acompanhar o paciente durante todo seu processo de transição e ainda acrescenta a necessidade de homens trans continuarem a ir em ginecologistas e mulheres trans possuírem um médico urologista de confiança.

**Texto por Jornal da USP

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