SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar apresenta queda nesta quinta-feira (19), com investidores repercutindo as decisões de juros do Brasil e dos Estados Unidos da véspera.
Às 12h18, a moeda perdia 0,87%, cotada a R$ 5,413 na venda. Já a Bolsa perdia fôlego e revertia os ganhos de mais cedo com queda de 0,08%, aos 133.636 pontos, na contramão dos mercados globais.
O BC (Banco Central) e o Fed (Federal Reserve, a autoridade americana) decidiram sobre as taxas de referência na quarta-feira.
Enquanto o Copom (Comitê de Política Monetária) decidiu elevar a Selic em 0,25 ponto percentual, citando resiliência da economia brasileira, o Fed realizou o primeiro corte nas taxas desde 2020, num afrouxamento de 0,50 ponto após temores de desaceleração do mercado de trabalho americano. Os juros americanos agora estão na banda de 4,75% e 5%.
Ao divulgar a decisão unânime de aumentar a Selic para 10,75% ao ano, o comitê afirmou que o cenário demanda uma política de juros mais contracionista, ou seja, que ajude a frear a força da atividade econômica para assegurar o controle da inflação.
Como justificativa, o colegiado citou a resiliência da economia brasileira, as pressões do mercado de trabalho, a elevação das projeções de inflação, as expectativas distantes da meta perseguida e o hiato do produto positivo (indicação de que a atividade está operando acima do seu potencial, ou seja, aquecida e sujeita a pressões inflacionárias).
A decisão foi publicada às 18h30 de ontem, após o fechamento dos mercados.
O comitê trabalha com a meta de inflação em 3%, definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional, órgão ligado ao Ministério da Fazenda) e com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. A taxa básica de juros é o principal instrumento do BC para controlar a alta de preços.
Na última leitura do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial da inflação do país, a base anual ficou em 4,24% em agosto uma desaceleração dos 4,5% de julho, o teto da meta do BC. As expectativas para o restante do ano, porém, estão desancoradas da meta, o que favorece o argumento de alta da Selic.
O Copom deixou seus próximos passos em aberto e evitou se comprometer com a intensidade e com o tamanho do ciclo de alta de juros. Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, porém, preevem que a Selic deve entrar em 2025 a 11% e permanecer neste patamar por um bom tempo.
“O Banco Central deixou claro que a magnitude total do ciclo de alta vai depender da evolução de indicadores e expectativas”, diz Silvio Campos, economista-sênior da consultoria Tendências. “Vai precisar de mais Selic para fazer a inflação chegar à meta de 3%”, diz o economista.
As projeções de alta na Selic faziam pressão nas curvas de juros futuros, sobretudo nos contratos de curto e médio prazo. A taxa para janeiro de 2026 subia para 12,01%, ante 11,88% da véspera, enquanto a de janeiro de 2027 marcava 12%, contra 11,935% do ajuste anterior.
Isso refletia nas ações mais sensíveis à economia doméstica no Ibovespa, como Magazine Luiza, MRV, Lojas Renner, que ajudavam a pressionar o índice para baixo.
Já nos Estados Unidos, a decisão de corte em 0,50 ponto coroou um debate que tomou os mercados por semanas a fio, desde a confirmação de que a hora de reduzir os juros havia chegado. O tamanho da redução veio em linha com as apostas majoritárias dos operadores.
“O comitê ganhou maior confiança de que a inflação está se movendo de forma sustentável em direção à meta de 2% e julga que os riscos para alcançar os objetivos de emprego e inflação estão aproximadamente equilibrados”, disse o Fed no anúncio.
Os formuladores de políticas veem a taxa de juros caindo mais 0,50 ponto percentual até o final deste ano, mais 1 ponto percentual em 2025 e, finalmente, mais 0,50 ponto em 2026, terminando em uma faixa de 2,75% e 3%.
Em entrevista coletiva, porém, Jerome Powell reforçou que as próximas decisões do comitê estão à mercê de novos dados econômicos o que esfriou o bom humor dos mercados na véspera. O Fed se reúne mais duas vezes até o final de 2024, em novembro e dezembro.
“Não há nada que sugira pressa para fazer isso”, disse, em referência à velocidade com que o banco central poderá reduzir os juros. “Podemos ir mais rápido se for apropriado, podemos ir mais devagar se for apropriado, podemos pausar se for apropriado.”
O dólar costuma se desvalorizar à medida que os juros nos Estados Unidos caem, conforme o rendimento dos ativos ligados à renda fixa americana depreciam. Isso leva operadores a investimentos de maior risco, como moedas emergentes e mercados acionários, pela possibilidade de rentabilidade maior.
“Por mais que o comunicado não tenha sido explícito, o corte de 0,50 do Fed claramente confirma que as preocupações com a saúde do mercado de trabalho pesaram mais na decisão do que os riscos relativos à inflação”, comenta Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad.
“Os mercados reagiram positivamente à decisão, mas a digestão dessa decisão histórica ainda vai levar tempo e muita volatilidade deve ser esperada nos próximos dias.”
Quanto maiores os juros no Brasil e menores nos Estados Unidos, melhor para o real, que se torna mais atraente para investimentos de “carry trade” isto é, quando investidores tomam empréstimos a taxas baixas e aplicam recursos em moedas de países de taxas altas, para rentabilizar sobre o diferencial de juros.
Para Thaís Zara, economista sênior na LCA Consultores, o aumento da diferença entre os juros dos EUA e Brasil pode trazer um aumento de capital para o cenário doméstico.
“Causaria um câmbio mais apreciado [valorização do real], o que ajudaria a inflação a voltar mais para próxima da meta, mas não muda o fato de o BC mostrar preocupação com atividade econômica”.
Isso não deve reverter o ciclo de altas por parte do BC. Para a economista, a questão fiscal ainda pesa no cenário brasileiro, e a autarquia precisaria de confiança em superávits primários constantes para mudar a postura.
TAMARA NASSIF / Folhapress