LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) – Os músculos à mostra e as cenas constantes só de cueca ou de toalha não deixam escapar que os irmãos Menendez, que chocaram os Estados Unidos ao matarem seus pais no fim da década de 1980, serão sexy e charmosos por demais em seu retrato numa série de nove episódios que acaba de estrear na Netflix.
Erik e Lyle cresceram numa das mansões mais extravagantes de Beverly Hills, mas, por trás do glamour, dizem ter sofrido abuso físico, emocional e sexual por parte dos pais. Até que decidiram se vingar, atirando 12 vezes contra eles e dando início a uma história que lembra a de Suzane von Richthofen no Brasil, também retratada recentemente nas telas.
“Monstros: Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais” é a segunda temporada da antologia “Monstros”, que, com o retrato do serial killer Jeffrey Dahmer em seu primeiro ano, se tornou a terceira série mais vista da história da Netflix, atrás apenas do desfecho de “Stranger Things” e “Round 6”.
A expectativa é reprisar o sucesso, e há interesse do público. No TikTok, onde o caso foi recém-descoberto por adolescentes, há cerca de 100 mil vídeos sobre os irmãos, que já foram tema de filme, documentários, podcasts e livros. O primeiro dos dois julgamentos que os condenaram à prisão perpétua também virou entretenimento, transmitido ao vivo na televisão americana, na íntegra, com grande audiência.
Os jovens têm argumentado em seus vídeos que Erik e Lyle foram, sim, vítimas de abuso, mas não conseguiram comprovar isso porque o assunto não era levado a sério na época, muito antes da criação de movimentos como o MeToo, liderado por artistas em Hollywood, que popularizaram as denúncias de assédio sexual.
A acusação, por outro lado, convenceu o júri de que os irmãos só queriam ter acesso irrestrito ao dinheiro do pai, José Menendez, um poderoso executivo da indústria da música que construiu a vida nos Estados Unidos depois de abandonar ainda adolescente sua Cuba natal assim que Fidel Castro assumiu o poder.
A série promete ser centrada na contradição das versões, acompanhando a mesma estrutura dos episódios sobre Dahmer, visto entre assassinatos e os distúrbios mentais que o atormentavam. Apesar do sucesso comercial, há um risco -se por um lado quebra o maniqueísmo, por outro pode relativizar crimes bárbaros.
Não é nada com que Ryan Murphy, o criador da série, já não esteja acostumado. Jornalista há décadas afastado das redações, ele fez seu nome em Hollywood em séries como “American Horror Story” e “American Crime Story”, levando à TV histórias de crimes reais e a influência que a mídia e a fama exercem sobre eles.
No tapete vermelho do lançamento da série, em Los Angeles, Murphy posou para uma foto e logo se dirigiu ao cinema onde o primeiro episódio seria exibido à imprensa, sem responder ao que todos querem saber sobre os “true crime” -até que ponto é justo explorar comercialmente uma tragédia e como obras como esta podem influenciar o público e os tribunais em julgamentos?
A resposta ficou para Javier Bardem, que vive o patriarca da família e também é produtor-executivo da série. Apesar de seu papel atrás das câmeras, o ator afirma que não é sua função garantir que o roteiro seja equilibrado, mas acredita na responsabilidade dos roteiristas, que ele elogia.
“Fizeram um trabalho excelente, sem glorificar nem condenar ninguém. Tentaram explicar a complexidade humana que envolve essa história. Artistas tentam entender o que está por trás das coisas. Não justifica nem perdoa nada, mas nos faz refletir sobre por que precisamos cuidar das nossas crianças”, afirma, lembrando o abuso que os irmãos podem ter sofrido por parte do pai e com consentimento da mãe.
Esse debate voltou ao centro das atenções depois que um ex-integrante da banda porto-riquenha Menudo, Roy Rosselló, disse ter sido violentado sexualmente por José Menendez quando adolescente, com consentimento de seu empresário, que queria prosperar no show business.
A acusação, que veio à tona numa série documental do ano passado, “Menendez + Menudo: Boys Betrayed”, reforçou o relato de Erik e Lyle. Agora, o advogado dos irmãos argumenta que eles já cumpriram sua pena e pede que a sentença de prisão perpétua seja revertida. Essa discussão, na visão de um dos diretores da série, Carl Franklin, é o que faz deste um “true crime” diferente.
No rastro da crise de criatividade que o audiovisual enfrenta hoje, com remakes e histórias de bonecos enfileirados, os “true crimes” dominaram o setor nos últimos anos -para lembrar exemplos só no Brasil, há as séries sobre a atriz Daniella Perez, assassinada pelo ator Guilherme de Pádua, e sobre Evandro Ramos Caetano, um menino que desapareceu no interior do Paraná e nunca foi encontrado.
“Depois que o abuso sexual se tornou um assunto central nos últimos anos, houve um novo
interesse por essa história. É diferente de antes, porque vai além do assassinato”, diz o diretor, Carl Franklin, lembrando que as tragédias seduzem o público desde a Grécia antiga. “São todas histórias sobre assassinatos, porque é isso o que gera drama. Sempre houve interesse por crimes.”
Franklin dirigiu a cena explícita em que Erik e Lyle atiram nos pais, fazendo pedaços de diversas partes de seus corpos voarem pela sala de estar da família, o sangue espirrando e manchando do chão ao teto, numa computação gráfica não de todo convincente, mas que choca os espectadores -era possível ouvir os suspiros de quem viu o primeiro episódio, depois do tapete vermelho, no tradicional The Egyptian Theatre, no coração de Hollywood.
Javier Bardem vê uma justificativa para cenas como essa. “Não sou fã de histórias que são violentas só por diversão, sem um debate. Não assisto a essas séries ou filmes. Em ‘Monstros’, isso está a serviço de uma história que reflete de onde vem a dor, o que ela pode causar e como nós falhamos enquanto humanos”, afirma.
Seu argumento pode se tornar mais convincente caso a série de fato se aproveite da história para tecer outras discussões centrais para a sociedade americana, sobretudo às vésperas das eleições presidenciais. É o caso do acesso descontrolado às armas de fogo no país, algo que aparece no primeiro episódio, o único ao qual a imprensa pôde assistir, mas ainda relegado a um tom cômico.
Não é exagero pensar que a obra possa ainda levar o caso de volta aos tribunais, o que já aconteceu com outros “true crimes” -no Brasil, as pesquisas do jornalista Ivan Mizanzuk para “O Caso Evandro”, por exemplo, levaram à anulação do julgamento de duas mulheres acusadas injustamente de assassinar o garoto.
Os atores que interpretam os irmãos dizem que não querem ser juízes. “Eu interpreto Erik como um ser humano. Assisti ao máximo de depoimentos que pude, li todos os livros sobre o caso e o tentei interpretar com muita empatia”, afirma Cooper Koch.
“É uma série muito intensa”, diz Nicholas Alexander Chavez, no papel de Lyle. “Eu entendo por que ela é, ao mesmo tempo, instigante para algumas pessoas, mas difícil de assistir para outras.”
IRMÃOS MENENDEZ: ASSASSINOS DOS PAIS
Onde Disponível na Netflix
Classificação 18 anos
Autoria Ryan Murphy e Ian Brennan
Elenco Nicholas Alexander Chavez, Cooper Koch, Javier Bardem e Chloë Sevigny
Produção Estados Unidos, 2024
PEDRO MARTINS / Folhapress