Após incêndio, cidade teme efeito da fumaça na produção de vinhos finos na divisa de SP e MG

"Ainda estou com o cheiro da fumaça", diz Batista, que conversou com a reportagem nesta quinta (19)

Imagem ilustrativa de Espírito Santo do Pinhal | Foto: Divulgação Brasil de vinhos

Na altitude de quase 1.000 metros, a madrugada fria da montanha propícia para a produção de uvas viníferas se transformou num inferno no ápice do incêndio que consumia simultaneamente três propriedades rurais em Espírito Santo do Pinhal, cidade do interior paulista na divisa com Minas Gerais.

Inicialmente observada como pouco preocupante, a queimada que começou em uma plantação de eucaliptos no dia 11, uma quarta-feira, aumentou no fim da semana e só foi controlada na segunda-feira (16).

No momento mais desesperador, uma estreita estrada de terra se tornou a última fronteira entre o fogo e as videiras do produtor Sérgio Batista, 49. Rapidamente as chamas chegaram perto de encurralar no alto da montanha os cerca de 70 voluntários e bombeiros que subiram ao local com baldes, bombas d´água e até um trator.

“Teve gente que subiu com caixa de isopor com água para ajudar”, diz Batista. “Fico arrepiado só de lembrar do esforço de tanta gente”, conta o proprietário da pequena vinícola voltada ao turismo enológico.

Videiras, oliveiras e muito do que se planta na propriedade foram salvos graças à mobilização ininterrupta durante cinco dias de fogo e que precisou do apoio de dois helicópteros e um avião do governo estadual. “Ainda estou com o cheiro da fumaça”, diz Batista, que conversou com a reportagem nesta quinta (19).

Passado o incêndio, a cidade que vem ganhando projeção devido à qualidade de suas bebidas –além do vinho, o café local está entre os melhores produzidos no país– está preocupada com o efeito da fumaça nas uvas. Sensível, a fruta absorve elementos do entorno e pode ser afetada pela fuligem, conta Loriane Salvi, diretora de turismo da Prefeitura de Espírito Santo do Pinhal.

Uma das responsáveis locais pela coordenação dos esforços para contenção do fogo, Salvi explica que o efeito das queimadas ainda depende da análise de especialistas.

Em meio ao cenário preocupante, porém, há um alento: o incêndio ocorreu no momento em que a maior parte dos vinhedos não possui frutas maduras.

Para garantir o desenvolvimento das uvas, produtores locais realizam duas podas anuais que retardam a colheita até a chegada do período mais frio na região, em agosto. A deste ano acabou de ocorrer. Esse cuidado, combinado com a altitude e a qualidade da terra, garantem condições adequadas à produção de vinhos finos.

“É, de certa forma, uma sorte que tenha acontecido agora e, com isso, esperamos que não traga prejuízos”, explica Salvi.

A causa do incêndio é desconhecida, mas entre locais a prática de queimar pequenas quantidades de lixo e “limpar” terrenos roçados com fogo é comum, conta Antonio Chiorato, 59, eletricista que, avisado por vizinhos, conseguiu chamar os bombeiros a tempo de salvar a casa do irmão.

Vazia na ocasião, a propriedade foi cercada por um incêndio à beira da rodovia governador Adhemar Pereira de Barros, em Mogi Guaçu, na mesma região do interior paulista.

Quando a Folha chegou à chácara da família de Chiorato, bombeiros e funcionários da concessionária que administra a estrada ainda apagavam o fogo iniciado em um pequeno depósito de lixo clandestino perto de uma propriedade vizinha.

Motorista do caminhão-pipa da concessionária, Carlos Alberto Machado, 48, tem atuado diariamente no combate a focos de incêndio na região. “Trabalho com isso há cinco anos, nunca vi nada igual”, conta.

É o manuseio do fogo na limpeza de pequenos terrenos que, na avaliação dele, provoca os incêndios. “As pessoas acham que vão queimar só aquela parte [da área], mas perdem o controle”, diz. “Olha só, pegaram mais um colocando fogo na beira da rodovia”, contou, sobre a mensagem que tinha acabado de receber pelo rádio quando a reportagem deixava o local.

Assim como ocorre em grande parte do país, o estado de São Paulo enfrenta uma série de incêndios em diversas regiões. O ápice da crise ocorreu entre os dias 22 e 24 de agosto, quando surgiram 2.621 novos focos, sendo 1.886 apenas no dia 23. Na ocasião, a região metropolitana de São Paulo foi coberta por fuligem no meio da tarde e o sol virou um círculo vermelho no céu.

A gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) diz ter prendido mais de 20 pessoas por suspeita de envolvimento em ações de início intencional de fogo desde junho e aplicado R$ 25 milhões em multas por queimadas criminosas desde janeiro.

CLAYTON CASTELANI E ZANONE FRAISSAT / Folhapress

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